Título: ALCA: A HORA DA VERDADE
Autor: RUBENS BARBOSA
Fonte: O Globo, 22/02/2005, Opinião, p. 7

Depois de quase um ano, Brasil e EUA, na qualidade de co-presidentes da Alca, voltam a se encontrar hoje, em Washington, para tentar desbloquear as negociações.

Setores industriais e do agribusiness acreditam que as negociações da Alca (e também do acordo Mercosul-União Européia) deveriam ser concluídas o mais rapidamente possível para evitar maiores prejuízos comerciais para ao Brasil e para o Brasil ser inserido nos fluxos de produção e investimento das empresas multinacionais. Algumas áreas do governo, provavelmente por razões ideológicas, relutam em avançar com a Alca.

Para ajudar a entender a situação hoje procurei, da forma mais objetiva, resumir as principais posições dos EUA.

1- Os EUA estão pouco dispostos a fazer concessões em acesso a mercado ¿- meta estratégica do Brasil nas negociações ¿- à altura das expectativas do Mercosul, sobretudo na área agrícola.

2- O preço a ser pago para a liberalização parcial do mercado dos EUA é a aceitação de regras restritivas, que vão além da OMC, e a abertura do mercado do Mercosul para serviços, investimentos e bens industriais.

3- Os EUA já negociaram, ou estão em processo final de negociação, acordos de livre comércio com todos os países do hemisfério (menos o Mercosul, a Venezuela e o Caricom), dentro de um modelo que inclui reduzida abertura de mercado para os produtos sensíveis (agrícolas, têxteis) e regras restritivas que vão além das aprovadas na OMC.

4- Os EUA não têm interesse em negociar acordo de livre comércio com o Mercosul (4+1). Eles só aceitarão negociar com o Mercosul se for nos moldes do Chile ou dentro da Alca, pela razão simples de que, tanto num quanto noutro caso já obtiveram a inclusão de regras OMC plus em serviços, investimento, compras governamentais e propriedade intelectual. Foram aceitas restrições quantitativas (quotas) e foram mantidas tarifas altas para os produtos agrícolas.

5- A questão da implementação e do estrito cumprimento (enforcement) da legislação interna para a lei de propriedade intelectual é hoje, mais do que há um ano, um ponto central da negociação dos EUA.

A aceitação do princípio do enforcement significará a possibilidade de retaliação cruzada em produtos exportados para os EUA.

6- Os EUA só aceitaram, como base da negociação, o documento de Miami de novembro de 2003 (que exclui as sensibilidades dos principais parceiros e permite uma Alca a duas velocidades) porque é suficientemente ambíguo e porque a proposta brasileira (minidenominador comum multilateral) não é aceitável para a maioria dos países do hemisfério.

7- A Alca, nos próximos dez anos, terá pouco efeito nas exportações do Mercosul para os EUA porque 68% dos produtos importados pelo mercado americano já gozam de tarifa zero (não necessitam da Alca), não têm restrições tarifárias ou não-tarifárias, e porque os cerca de 30% de produtos com algum tipo de restrição (agrícolas) não serão liberalizados no período de transição.

8- Os acordos firmados pelos EUA com o México e o Canadá, com o Chile e com os membros da comunidade andina deverão erodir as margens de preferência negociadas pelo Brasil com os países da América e deverão exigir um esforço de (re)negociação dos acordos de livre comércio que o Brasil mantém com esses países.

9- Além da exclusão das negociações no âmbito da Alca dos itens anti-dumping e subsídios, que afetam diretamente interesses do Mercosul, em algum momento, o governo americano deverá incluir na pauta dos entendimentos a discussão sobre as cláusulas social e de meio ambiente e sua vinculação com sanções comerciais, no caso de não cumprimento das disposições aprovadas internamente em cada um dos países.

10- As negociações da Alca, se bem-sucedidas, somente serão concluídas depois de 2006, após a conclusão da rodada multilateral de Doha e da votação pelo Congresso dos EUA da lei agrícola.

Levando em conta o novo impulso das negociações multilaterais da rodada de Doha, parece ser mais adequado aguardar a evolução dos entendimentos em Genebra antes de assumir compromissos regionais, na Alca, ou mesmo bilaterais, com a União Européia.