Título: REFORMA, QUE REFORMA?
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 23/02/2005, O País, p. 4

De onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Reunidos ontem na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, líderes e caciques partidários concordaram que é preciso dar uma satisfação à opinião pública e votar logo a reforma política. O consenso, porém, não passa daí.

Quando os interesses se cruzam, a discussão vira Babel. A enésima tentativa de ressuscitar a reforma política e coibir práticas desmoralizantes como o troca-troca partidário deve acabar como das outras vezes. No máximo, sai um pacotinho de medidas tímidas, bem aquém do que se prometia. Pior, há risco até de retrocesso. Toda vez que o assunto vem à tona, aparece alguém para tentar desconstruir reformas já aprovadas. O que está em jogo:

FIDELIDADE PARTIDÁRIA: Deveria ser o alvo desta vez. No rastro do aluguel, compra e leasing de deputados nas últimas mudanças, a imagem da Câmara ficou seriamente abalada. Pela lógica, seria o momento de aprovar projeto do Senado que exige três anos de filiação partidária para qualquer candidato. Ou mesmo a versão atenuada no relatório Ronaldo Caiado, que reduz o prazo para dois anos. Complicado. Na Câmara, a maioria acha que a fidelidade via filiação é uma camisa-de-força. O máximo que vai acontecer é uma alteração no regimento estabelecendo que a proporcionalidade a ser considerada na divisão de comissões, lideranças, cargos e até tempo na TV terá como base o tamanho da bancada eleita pelo partido, e não da bancada adquirida posteriormente. Ajuda, mas não resolve. O ataque especulativo de Garotinho ao PMDB, por exemplo, não tinha como alvo esses espaços.

CLÁUSULA DE BARREIRA: É lei e entra em vigor em 2006. Mas volta ao jogo pela mão dos partidos prejudicados, que podem deixar de existir se não tiverem os 5% de votos exigidos em eleições nacionais. PPS e PCdoB levantaram o assunto na reunião e, embora a maioria dos grandes partidos seja favorável à cláusula, sua flexibilização pode virar moeda de troca. Já há proposta de reduzir os 5% para 2%. Muitos temem que, da reforma, acabe sobrando só isso. Anti-reforma.

FIM DA VERTICALIZAÇÃO DAS COLIGAÇÕES: Quem se lembra da obrigação, instituída pelo TSE em 2002, de as alianças regionais coincidirem com as federais? Pois é, não sobrevive até 2006. O maior interessado na derrubada é o PMDB, que quer ficar livre, leve e solto para negociar candidaturas diversas nos estados enquanto flerta com a reeleição de Lula.

FINANCIAMENTO PÚBLICO E VOTO EM LISTA FECHADA: O primeiro só vale com o segundo. Os recursos públicos para campanhas proporcionais têm que ser distribuídos via partidos, o que pressupõe a escolha dos candidatos por listas. Funciona assim: cada partido tem uma lista de candidatos a deputado, os votos vão para a legenda e os eleitos obedecem à ordem. O grande, imenso, insuperável problema: quem faz a lista? A convenção, ou seja, a máquina. O que provoca reações de todos os lados, sobretudo de grupos organizados como os evangélicos, hoje instalados em partidos que são apenas hospedeiros. A idéia ontem era votar o novo sistema mas implantá-lo só em 2010. Não há risco: até lá aparece outra reforma política para revogá-lo.