Título: O ENIGMA DO HAMAS
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 26/01/2006, O Mundo, p. 27

O Hamas está em alta com as eleições palestinas. A facção armada há longo tempo comprometida com a destruição de Israel está praticamente certa de que vai se propagar pelo Oriente Médio, assegurando uma grande influência nas mesmas instituições a que se opôs durante quase uma década. Essa perspectiva levou capitais ocidentais e Israel a se apressarem a avaliar como vão lidar com o poder político que uma organização há muito tempo proscrita como terrorista deverá conquistar na política palestina.

Parte do dilema é saber se o provável sucesso do Hamas representa uma nova ameaça numa região já instável ou a primeira fase de uma conversão para a política de uma facção islâmica que nos últimos cinco anos foi responsável pela maioria das mortes de israelenses em atentados suicidas.

O Hamas atravessou a campanha eleitoral com profissionalismo e disciplina. Foi possível ver isso na carreata que promoveu nas ruas da Cidade de Gaza anteontem, bem como no comício de mulheres que organizou em Nablus semana passada.

Despertando para a nova realidade ¿ o que inclui talvez a constatação de que o esforço de Israel para interromper a campanha do Hamas prendendo candidatos só conseguiu fortalecer o grupo politicamente ¿ algumas figuras importantes, do presidente Moshe Katsav a Shimon Peres, indicaram que Israel poderia conversar com o Hamas se este abandonasse a militância e pusesse fim ao compromisso com a destruição de Israel.

A primeira condição pode ser mais facilmente aceita que a segunda. Habilmente, o Hamas ¿ que aderiu à trégua feita ano passado pelo presidente palestino, Mahmoud Abbas ¿ revelou pouco sobre os planos pós-eleições. Mas Abbas sempre acreditou que a compreensão do Hamas sobre influência o levaria a abandonar as armas, e tem advertido que o grupo não participará de qualquer coalizão com o Fatah se não fizer isso.

Até agora, porém, o Hamas deixou claro que não tem qualquer intenção de reconhecer Israel, como a OLP acabou fazendo sob a liderança de Yasser Arafat.

O candidato número dois do Hamas, Mohammed Abu Teir, disse que não haveria problema em discutir com Israel ¿assuntos técnicos¿. Mas sua mensagem a Israel era: ¿Vocês negociaram com a OLP durante 30 anos, e o que deram à OLP?¿

Na notável decisão do Hamas de não incluir seu compromisso de longa data com a destruição de Israel em seu manifesto para a eleição, o xeque Abu Teir disse cuidadosamente: ¿Sabemos como conduzir a política, estamos atravessando uma nova fase na política e somos parte dela. Levantamos novas palavras de ordem e não há necessidade alguma de levantar palavras de ordem inapropriadas (destruir Israel). Temos um programa que lida com assuntos internos.

Interpretar essa declaração enigmática será apenas uma das muitas questões com as quais as capitais do mundo terão que lidar se confirmadas as previsões das pesquisas para o resultado do Hamas nas eleições.

DONALD MACINTYRE é analista do Independent