Título: Ascensão dos radicais
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 26/01/2006, O Mundo, p. 27

Pesquisas indicam vitória do Fatah, mas Hamas se torna segunda força política

Num surpreendente clima de tranqüilidade, pelo menos 77,7% dos mais de 1,3 milhão de eleitores palestinos compareceram ontem a zonas eleitorais na Faixa de Gaza e na Cisjordânia para escolher um novo Parlamento. Pesquisas de boca-de-urna apontaram uma vitória apertada do Fatah, partido do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, que receberia 46,7% do total de votos contra 39,5% do Hamas. A consagração do Hamas nas urnas como segunda força política pode ser um duro golpe para o futuro das negociações de paz no Oriente Médio.

A disputa acirrada torna difícil ao vencedor assegurar um número amplo de cadeiras e deve forçar a organização de um governo de coalizão. Segundo o Centro Palestino de Pesquisa e Estatística, o Fatah deve conquistar 58 cadeiras e o Hamas pelo menos 32 do total de 132. Uma outra pesquisa, da Universidade Najah, indicou um resultado quase idêntico, com 42% dos votos para o Fatah e 34% para o Hamas. Já a Universidade Bir Zeit previu 46% para o Fatah e quase 40% para o Hamas.

Eleito há um ano ¿ após a morte do líder Yasser Arafat ¿ Abbas votou de manhã numa escola no bairro de al-Amary, tradicional reduto do Fatah em Ramallah. Procurando mostrar confiança, evitou comentar diretamente a ascensão dos radicais do Hamas ao poder e admitiu pela primeira vez a possibilidade de montar um governo de coalizão com o adversário. Abbas destacou o sucesso da votação e garantiu que a nova administração palestina estará disposta a fazer parcerias internas e externas visando à retomada das negociações de paz com Israel.

¿ As eleições foram exemplares e provam que estamos comprometidos com o processo democrático. Estamos prontos para aceitar uma coalizão com o Hamas, desde que esteja de acordo com os princípios do Fatah. Queremos negociar e dizer aos israelenses que eles não podem escolher nossos parceiros. Qualquer um que esteja do lado de lá será bem-vindo, seja o primeiro-ministro interino Ehud Olmert ou não ¿ declarou.

Ineficiência da ANP favoreceu o grupo

As declarações de Abbas provocaram desconforto em Gaza, onde se acredita que o Hamas supere o Fatah nos votos. O número um da lista do partido, Ismail Haniya, afirmou que o grupo manterá as armas, bem como seu compromisso de destruir Israel. Segundo ele, não há contradição entre o caminho armado e a participação no Parlamento. Um dos mais populares dirigentes do Hamas em Gaza, Mahmoud al-Zahar, também reiterou a posição do grupo mas disse estar disposto a discutir um governo de cooperação com o Fatah.

¿ Precisamos reconstruir a infra-estrutura palestina e combater a corrupção. Estamos abertos a conversar. A possibilidade de negociar com Israel vai depender do que eles têm a oferecer, mas nunca vamos reconhecer a existência do Estado judeu ¿ afirmou.

Responsável por dezenas de ataques terroristas contra civis israelenses, o Hamas mantém em seu estatuto uma cláusula que nega a existência de Israel. Suas propostas no campo político ainda são consideradas um enigma. Segundo analistas, o grupo ganhou popularidade fazendo trabalhos sociais nas áreas de saúde e educação e ocupando o vácuo deixado pela combalida infra-estrutura pública palestina durante a intifada. A ineficiência da ANP e diversos escândalos de corrupção envolvendo membros do Fatah também podem ter dado aos radicais a confiança de eleitores desapontados com o atual regime.

¿ O Hamas está mais preocupado com os problemas internos do que com Israel. Tudo foi destruído durante incursões israelenses nos últimos anos. Além disso, quando os EUA e Israel começaram a tentar proibir o Hamas de participar das eleições, entendemos que se o Hamas não é bom para os americanos e israelenses, será automaticamente bom para o povo palestino ¿ disse a psicóloga Ghadir, que distribuía panfletos do grupo no centro de Ramallah.

Sob forte esquema de segurança, o temor de choques entre facções rivais e deu lugar à tensão política e à preocupação com o futuro da administração palestina. Os únicos incidentes registrados foram pequenos bate-bocas e provocações entre ativistas que faziam propaganda de boca-de-urna na entrada de zonas eleitorais. Partidos alugaram vans para levar eleitores aos postos de votação e faixas, cartazes e panfletos foram distribuídos livremente nas ruas de cidades da Cisjordânia.