Título: Mudanças no jogo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 27/01/2006, O GLOBO, p. 2

Há muito ainda para se entender da votação da emenda que acaba com a verticalização e dos efeitos da medida, se não for derrubada pela Justiça. Para começar, até os defensores da emenda se surpreenderam com a folga de votos. Temiam perder ou no máximo ganhar apertado. No interior de partidos, a dispersão foi geral, a ponto de ter havido racha até no PSOL (4 votos contra e 3 a favor da emenda). Na infância dos partidos há sempre mais disciplina.

O que reuniu tantos votos foi a soma de dois movimentos a favor da emenda. O de caciques regionais para manter-se no comando do jogo local e o dos pequenos e médios partidos com a sobrevivência ameaçada pela cláusula de barreira. Com o livre-aliancismo terão mais chances de alcançarem 5% dos votos nacionais. Mas em todos os partidos houve cisões, numa evidência de que nossos partidos, mais do que à lógica nacional, atendem às razões regionais. No PFL, enquanto a senadora Roseana Sarney cabalava votos na Câmara a favor da emenda, os carlistas baianos faziam o contrário.

O desencontro interno mais notável, entretanto, foi o do presidente Lula com o PT, que ignorou sua manifestação contra a verticalização e deu a maioria de seus votos pela manutenção da regra. Não é a primeira vez que Lula e o PT jogam cada um para um lado. Nem deve se alinhar sempre com seu partido um presidente que governa com uma coalizão pluripartidária. Entre Lula e o PT há também ressentimentos deixados pela crise, queixas de traição ou de abandono. Mas em relação à sucessão há sinais de outras divergências, de concepções conflitantes sobre como deve ser a campanha, a política de alianças e o programa de governo para um eventual segundo mandato. Em algum momento, terão de sentar e se entender. Por mais que Lula tenha queixas do PT, é com ele que vai para a campanha, embora sonhando com o apoio de um partido grande como o PMDB. O PT, por sua vez, parece ainda ver na campanha apenas uma oportunidade de acertar contas com os adversários que o massacraram, não a de garantir a Lula outro mandato.

Voltando à votação, ela revelou ainda um blefe do PSDB, que tendo pregado o tempo todo a manutenção da verticalização, deu uma boa penca de votos a favor da emenda.

Se a liberdade de coligação for mantida, alguns efeitos já são previsíveis.

1. Crescem as chances de o PMDB ter candidato próprio e de surgirem mais candidatos para marcar posição, tipo Roberto Freire pelo PPS ou Cristovam Buarque pelo PDT. Mais dispersão de votos no primeiro turno pode afetar decisivamente o resultado.

2. A lógica regional vai comandar a eleição, deixando a disputa presidencial mais descolada e solta.

3. Este último efeito ajudará a manter a sina dos últimos presidentes eleitos: vencem mas não tiram das urnas a maioria parlamentar para governar.

4. A profusão de alianças dificilmente permitirá uma maior fiscalização do financiamento das campanhas e do uso de caixa dois.