Título: VALE-TUDO
Autor:
Fonte: O Globo, 27/01/2006, Opinião, p. 6

Opior prognóstico, para quem se preocupa com o aperfeiçoamento do sistema partidário, confirmou-se com a aprovação, em primeiro turno, do fim da verticalização. Falta o segundo, mas que parece meramente protocolar. O assunto é tão árido quanto importante, pois a verticalização ajuda no saneamento da vida parlamentar.

À primeira vista, determinar que as alianças regionais obedeçam à composição da chapa formada para disputar o Planalto parece uma camisa-de-força inadequada. Mas não é. A verticalização precisa ser entendida num conjunto de alterações na legislação sobre partidos e eleições. Incluem-se nesse conjunto a cláusula de barreira, para acabar com a pulverização de legendas ¿ em vigor, e também sob a ameaça no Congresso ¿, o aumento das punições de crimes eleitorais e um maior controle das finanças de partidos e políticos ---- normas já baixadas pelo TSE ---- e o endurecimento da fidelidade partidária, ainda a ser sancionado pelo Congresso, entre outras medidas.

Há um objetivo estratégico nesse aperfeiçoamento do regime de democracia representativa: aumentar o peso dos programas partidários nas negociações das alianças, dar transparência a essas negociações e reduzir a influência do político providencial, quase sempre populista e demagogo.

O resultado da votação de quarta-feira reflete a estreiteza de visão dos políticos quando estão na agenda questões amplas, estruturais, mas que se chocam com seus interesses de curto prazo.

O sinal verde para o vale-tudo eleitoral convém a muita gente. Com o fim da verticalização, ganha o presidente Lula, que pode fazer qualquer acordo regional independentemente da chapa da reeleição; ganham os partidos do mensalão (PP, PL e PTB) e todas as legendas nanicas que tentam ultrapassar a cláusula de barreira; e ganha essa federação de caciques estaduais chamada PMDB.

E perde o país, por não apressar a modernização do sistema político. Resta a esperança de, acionado, o Supremo Tribunal concordar que essa emenda é inconstitucional ¿ e de fato é ¿ por alterar uma regra eleitoral a menos de um ano das urnas, quebrando a segurança jurídica do pleito. Pelo menos adia-se em uma legislatura esse atentado contra o aperfeiçoamento da democracia brasileira.