Título: O VETO É INACEITÁVEL
Autor: EDSON KURAMOTO
Fonte: O Globo, 27/01/2006, Opiniao, p. 7

Uma análise dos resultados do leilão de energia nova, realizado em dezembro, mostra que não ocorreu a expansão da capacidade instalada, como era esperado. Os novos projetos para o setor estão aquém do necessário para suportar o crescimento econômico do país, que, se for maior do que 4% nos próximos anos, poderá provocar escassez na oferta de energia após 2008, como previsto pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Isto traz ao mercado consumidor uma certa preocupação, visto que o Banco Central projeta um crescimento acima desse percentual para 2006, com tendência de alta para os anos subseqüentes.

Uma coisa é certa: está aberto o caminho para as térmicas a gás. Mas será que teremos gás suficiente para alimentá-las? A julgar pelo atual cenário do mercado, é muito pouco provável, tanto que o governo já ventilou a possibilidade de usar diesel ou óleo combustível em casos de emergência, o que aumentaria a tarifa de forma indesejável. Além disso, não existe a infra-estrutura necessária para transportar o óleo combustível até os pontos de consumo.

Além dessa importante questão, o leilão mostrou a competitividade econômica da energia nuclear em relação às demais formas de geração energética ¿ aliás, é competitiva com outras fontes em todos os países que investiram em usinas nucleares. No projeto econômico e financeiro de Angra 3, foi calculada uma tarifa de R$144 por megawatt-hora, próxima à do gás e da energia hidrelétrica do último leilão. A retomada imediata da construção de Angra 3 permitiria sua conclusão em 2012, justamente um ano em que se prevê a escassez de energia nova.

O reconhecimento da competitividade da energia nuclear levou o ministro das Minas e Energia e o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a considerar viável a retomada da construção de Angra 3 ¿ uma luz no fim do túnel para o setor.

Atualmente, a tecnologia nuclear é aplicada em vários setores do nosso cotidiano. Na medicina, é utilizada na terapia e no diagnóstico do câncer. Em 2005, foram cerca de 2,5 milhões de procedimentos médicos com radiofármacos, e nas indústrias farmacêuticas, de materiais elétricos, alimentícias e na agricultura a energia nuclear tem ajudado no aumento da produtividade. Apesar de todos esses benefícios, é subutilizada, devido à falta de uma política de desenvolvimento. O acesso ao mais moderno equipamento de tomografia, por emissão de pósitron, utilizado no diagnóstico preciso do câncer, da doença de Alzheimer e do mal de Parkinson, é restrito à população do Rio de Janeiro e de São Paulo, pois o radioisótopo flúor-18, essencial nesse tipo de exame, é produzido somente pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, em São Paulo, e no Instituto de Engenharia Nuclear, no Rio de Janeiro. E como esse elemento perde radioatividade em 109 minutos, tem de ser produzido próximo do centro de consumo. A tecnologia nuclear também tem contribuído para aumentar a produção agrícola do país. Uma política específica para o setor permitiria expandir esses benefícios para toda a população brasileira.

No cenário internacional, os Estados Unidos lideram uma corrente que defende a idéia de se impedir que países emergentes desenvolvam tecnologia nuclear para fins pacíficos. Isso é inaceitável, pois aprofunda o apartheid tecnológico existente e prejudica o desenvolvimento das nações periféricas. É claro que um controle que garanta a não-proliferação de materiais nucleares é extremamente importante, pois não é do interesse de ninguém que países que não respeitam as leis internacionais e grupos com aspirações bélicas consigam obter armas nucleares. O trabalho da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) é essencial para impedir que isso aconteça. Entretanto, não se pode privar qualquer país do direito de desenvolver tecnologia de ponta, como a nuclear, para usos civis.

Por outro lado, tão importante quanto garantir a não-proliferação é insistir no desarmamento dos países detentores de armas nucleares. Trata-se de uma premissa fundamental do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que vem sendo desrespeitada desde sua entrada em vigor e reitera uma situação insustentável de desigualdade entre as nações. As exigências de não-proliferação têm que ser iguais para todos.

A idéia do presidente da AIEA, Mohamed El Baradei, de criar um banco de combustível é inviável, pois consolida uma situação na qual poucos países detêm o controle do combustível nuclear do mundo, aumentando seu poder político e econômico. Em um cenário de escassez de petróleo, por exemplo, em que a energia nuclear seria uma importante opção energética, isso poderá ter um forte impacto no preço do urânio e na disponibilidade de combustível. A geração nuclear poderia ficar inviabilizada em muitos países, e o Brasil, que acaba de consolidar o domínio do ciclo do combustível com a próxima inauguração da fábrica de enriquecimento de urânio, seria um dos maiores prejudicados. Precisamos urgentemente de uma política ampla para o setor nuclear, que preserve a capacitação tecnológica e possibilite um desenvolvimento contínuo e seguro. O governo poderia aproveitar essa onda de execução de obras e implementar o plano de recuperação do programa nuclear.

EDSON KURAMOTO é presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben).