Título: MUITO MOSQUITO, POUCO AGENTE
Autor: Luiz Ernesto Magalhães
Fonte: O Globo, 27/01/2006, Rio, p. 11

Prefeitura tem apenas 26,7% do total de pessoal que pretendia contratar para conter dengue

Em meio a um surto de dengue na Barra da Tijuca e em Jacarepaguá, que concentram a maior parte dos 283 casos já confirmados este ano, a Secretaria municipal de Saúde mantém apenas 989 auxiliares de controle de endemias para identificar e erradicar os focos do mosquito Aedes aegypti. O efetivo corresponde a 26,7% dos 3.700 agentes que a prefeitura estimou em 2002, durante a última epidemia, serem necessários para conter a doença, que já matou duas pessoas neste verão. O prefeito Cesar Maia, que na época enviou à Câmara de Vereadores mensagem aprovada em regime de urgência para contratar os mata-mosquitos por concurso público, alega agora que não precisava admitir tanta gente. Contrariando o que dizem especialistas, o prefeito se justifica dizendo que a dengue não é uma doença endêmica no Rio:

¿ Não se contrata pessoal por 50 anos (30 em atividade e 20 recebendo aposentadoria) por um problema circunstancial, que nem endemia caracteriza. Num caso desses, contrata-se por tempo determinado ou se aproveita o efetivo de outras esferas. É o que acontece agora com o apoio dos bombeiros e agentes federais deslocados ¿ disse Cesar, que na semana passada já afirmara que o Rio só estaria livre da dengue se fosse transferido para uma zona temperada.

Em comparação com janeiro de 2005, quando houve 58 notificações, o número de casos este mês é quase cinco vezes maior. Devido ao quadro, o epidemiologista Roberto Medronho, da UFRJ, criticou o prefeito:

¿ Com essa declaração, o prefeito presta um desserviço de utilidade pública. Ele pode ser ótimo economista, mas não entende de epidemiologia. Desde a reintrodução do mosquito no Rio, em 1987, a doença é endêmica. É previsível termos casos todos os anos ¿ disse Medronho.

Os 989 agentes estão entre os 2.300 servidores que a prefeitura informou estarem mobilizados para controlar a dengue. Só que, deste total, 1.311 são agentes de controle de vetores da Comlurb e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsáveis não apenas por combater o Aedes aegypti como também focos de ratos e pernilongos. Outros 130 fazem trabalhos burocráticos.

¿ Se a própria prefeitura estimou que precisava de 3.700 agentes e mantém menos do que mil, é claro que existe um déficit ¿ disse o infectologista Edmilson Migowski.

Secretário: combate cabe à população

Para o presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores, Carlos Eduardo (PPS), a falta de pessoal ajuda a explicar por que o índice de infestação de domicílios pelo mosquito transmissor chega a 7%. O recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é que ele não ultrapasse 1%.

¿ Pela quantidade de residências da cidade, os agentes deveriam fazer 18 milhões de visitas domiciliares por ano. Em 2004, foram três milhões, número que caiu para 1,4 milhão em 2005 ¿ criticou o vereador.

O secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho, rebate:

¿ A idéia de que não teríamos surtos se contratássemos mais agentes é falsa. Combater a dengue é como o hábito de escovar os dentes. Este papel cabe à população. Quando o país enfrentou um risco de apagão, o povo colaborou economizando energia. Com a dengue é a mesma coisa.

Medronho discorda. Em visita a regiões da cidade onde o índice de infestação é alto, ele disse ter constatado que a população faz sua parte:

¿ Os locais onde o índice de infestação é alto ficam próximos dos chamados macrofocos, como cemitérios, terrenos abandonados e áreas em construção, de responsabilidade da prefeitura ¿ disse.

A primeira pessoa a morrer de dengue este ano (e a segunda este verão) foi Ivonete Lopes dos Santos, de 45 anos. Mãe de quatro filhos entre 7 e 22 anos, Ivonete morava no Itanhangá e começou a passar mal no dia 23 de dezembro, quando fazia compras de Natal. O viúvo Roberto Lourenço dos Santos, de 48 anos, criticou a prefeitura, que não conteve a doença mesmo depois da epidemia de 2002, e os médicos, que não teriam conseguido diagnosticar a dengue:

¿ Em dez dias, ela esteve quatro vezes na Clínica São Bernardo (Barra). Primeiro, os médicos disseram que ela teria uma virose, depois que estaria com um tumor no cérebro. No dia 7, nós a internamos em outra clínica, mas ela acabou morrendo dois dias depois ¿ contou Roberto, que pretende processar a clínica.

Em nota, a direção da São Bernardo confirmou que Ivonete foi atendida quatro vezes, ficando internada em duas ocasiões. A nota diz que os exames não confirmaram a doença.

O presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, disse que vai reunir na próxima semana correspondentes de jornais estrangeiros para avisar que turistas estrangeiros não devem vir ao Rio no carnaval, devido ao risco de contágio. O mesmo alerta foi feito na epidemia de 2002.

¿ Existe o risco de a situação fugir ao controle e precisamos alertar quem planeja visitar a cidade. O mais preocupante é podermos ter que enfrentar uma epidemia no momento em que os hospitais públicos do Rio estão sucateados ¿ disse.

A presidente da Associação Brasileira dos Agentes de Viagem (Abav), Vera Pottter, disse que, pelas informações que recebeu, não há motivos para preocupação, pois são focos localizados. Mas ela teme os efeitos do alerta sobre a imagem da cidade:

¿ No carnaval, os pacotes são comprados com antecedência, o que dificulta a mudança de planos. Aqueles que desistirem terão prejuízo, por já terem pago às agências.

COLABOROU Célia Costa

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