Título: Terremoto político no Oriente Médio
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Fonte: O Globo, 27/01/2006, O Mundo, p. 26

Triunfo arrasador do Hamas em eleição palestina destrói chance de paz com Israel

CIDADE DE GAZA

Uma inesperada e esmagadora vitória do movimento radical islâmico Hamas nas eleições legislativas palestinas provocou ontem um terremoto político que se propagou pelo mundo e promete enterrar de vez o processo de paz: Israel e EUA deixaram claro que não negociarão com um grupo que consideram terrorista, que prega a destruição do Estado judeu. Antes mesmo da divulgação do resultado oficial, o primeiro-ministro Ahmed Qorei renunciou ao cargo e militantes do grupo tomaram as ruas de várias cidades, disparandotiros para o alto. Em Ramallah, eles invadiram o Parlamento e entraram em confronto com ativistas do Fatah, partido que sai de cena após mais de quatro décadas de dominação.

O Hamas conquistou nada menos que 76 das 132 cadeiras do Parlamento nas eleições de quarta-feira, garantindo um poder político sem precedentes. Já o Fatah ¿ até anteontem à noite indicado como favorito em pesquisas ¿ obteve 43. De acordo com a lei palestina, o partido dominante no Parlamento pode vetar o nome escolhido pelo presidente para o cargo de primeiro-ministro, o que torna o Hamas efetivamente capaz de formar um novo Gabinete.

Mas o Hamas imediatamente se dispôs a negociar com outros grupos palestinos uma parceria política.

¿ O movimento quer se reunir com o presidente (da Autoridade Nacional Palestina) Mahmoud Abbas e com facções palestinas imediatamente para iniciar consultas sobre a formação de uma parceria política ¿ disse o dirigente Ismail Haniya.

O grupo informou, porém, que não abrirá mão de sua resistência a Israel, e o Fatah rejeitou a possibilidade de participar de uma coalizão. Saeb Erekat, chefe palestino responsável pelas negociações de paz com Israel ¿ e uma das figuras mais visíveis da administração nos últimos anos ¿ declarou:

¿ Nossas vidas nunca mais serão as mesmas. Hoje acordamos e o céu tinha uma cor diferente. Entramos numa nova era.

Na entrada do Parlamento, ativistas ergueram a bandeira verde do Hamas, logo, porém, retirada.

A reação imediata de Israel ao triunfo do Hamas foi fazer um apelo à União Européia para que assuma uma firme posição contra o estabelecimento de um ¿governo terrorista¿ nos territórios palestinos ¿ o grupo assumiu a autoria de quase 60 atentados contra civis israelenses nos últimos seis anos e prega nada menos que a destruição de Israel. Mas o moderado Abbas ¿ eleito há um ano, após a morte do líder Yasser Arafat ¿ afirmou que continua no cargo e prometeu continuar os esforços para alcançar a paz.

¿ O novo governo vai trabalhar seguindo os acordos entre Israel e Palestina ¿ disse ele. ¿ Estou fortemente comprometido com a implementação do programa político que me elegeu.

Mais cedo, o presidente George W. Bush fizera um apelo para que Abbas não deixasse o cargo.

Diante da preocupação do Ocidente com a vitória do Hamas, o chefe da Liga Árabe, Amr Moussa, comentou:

¿ Não podemos promover a democracia e depois lamentar os resultados da democracia ou nos opor ao resultado das eleições. Se o Hamas vai formar o governo, assumindo autoridade, tendo responsabilidade para governar, negociar e buscar a paz, é diferente da organização Hamas cujas pessoas estão nas ruas.

Analistas árabes previram que o Hamas assumirá uma posição mais pragmática. Mas para os próprios palestinos o rumo político ainda é uma incógnita. No confronto entre ativistas em frente ao Parlamento, quatro simpatizantes do Fatah foram feridos por pedras e janelas do prédio foram quebradas. À noite, centenas de seguidores do Fatah marcharam armados pelas ruas da Cidade de Gaza, irados com o resultado da eleição

Dirigente promete amplas reformas

Integrantes do Fatah reconheceram o que analistas vinham afirmando: que o crescimento político do Hamas se deve à insatisfação dos palestinos com um regime com instituições corruptas e incapaz de atingir objetivos ¿ como garantir segurança e conquistar um Estado soberano. Animado com a vitória de seu grupo ¿ que nas cédulas de votação adotou o nome Mudança e Reforma ¿ o dirigente do Hamas Mahmoud Zahar afirmou:

¿ Vamos mudar todos os aspectos, como economia, indústria, agricultura, assistência social, saúde, administração e educação.

Para analistas, porém, o Hamas não conseguirá mudar uma sociedade secular sem o apoio do Fatah. Mais de 400 candidatos participaram da primeira eleição parlamentar palestina desde 1996, sob os olhos de 900 observadores internacionais. Foram às urnas 78% dos mais de 1,3 milhão de eleitores.

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