Título: Dois partidos numa encruzilhada do poder
Autor: Arnon Regular
Fonte: O Globo, 27/01/2006, O Mundo, p. 28

Futuro da Autoridade Nacional Palestina dependerá da cooperação entre Hamas e Abbas, líder do Fatah

TEL AVIV. Quatorze meses após a morte de Yasser Arafat, o Fatah estabelecido por ele perdeu a supremacia de 41 anos sobre o movimento nacional palestino.

O Hamas obteve 76 cadeiras no próximo Parlamento, e levou ao colapso do Fatah, que estava mergulhado em brigas internas até bem perto das eleições e não percebeu que o adversário o estava ultrapassando.

A Autoridade Nacional Palestina (ANP) enfrenta agora uma situação constitucional complexa, na qual o presidente eleito, Mahmoud Abbas, que também é o líder do movimento minoritário Fatah, vai lidar com um Parlamento liderado pelo Hamas, que pode indicar um governo que defenda políticas diferentes daquelas do atual presidente.

Os dois partidos teriam dado sinal de querer colaborar

Se os dois lados não buscarem uma forma de cooperação com diretrizes comuns, pode surgir uma situação em que o governo do Hamas desenvolva uma certa política, enquanto Abbas, que determina a política externa da ANP, continue a negociar com Israel e a comunidade internacional que se recuse a conversar com um governo liderado pelo Hamas.

Mas muitos se opõem a tal parceria, especialmente dentro do Fatah. Eles preferem ver o Hamas se atolar num governo pantanoso, para provar que as metas políticas e diplomáticas do grupo são inatingíveis. Nesse meio tempo, um expurgo é esperado dentro do Fatah, e pedidos pela organização de uma sexta conferência geral do partido (a quinta foi em 1989) devem surgir. O líder do Fatah Marwan Barghouti declarou há vários dias que a conferência aconteceria em meados do ano, mas diante dos resultados das eleições, provavelmente será antecipada.

Em relação ao Hamas, o grupo ainda está comprometido oficialmente com a trégua, mas nas últimas semanas seus líderes deram declarações contraditórias sobre retomada de ataques terroristas e luta armada, e sobre reconhecer Israel e negociar com seu governo. As contradições refletem a disputa interna sobre a questão, mas parecem ser devido ao desejo de cooperar com o Fatah e chegar a um acordo com a comunidade internacional para assegurar a continuidade da ajuda. E é razoável presumir que a calma continue num futuro próximo.

Um ponto central de disputa nesse caso seriam as forças de segurança, que em teoria estão sujeitas ao governo através do Ministério do Interior, mas que na prática têm sido dirigidas pelo presidente da ANP. Outra situação possível é que Abbas renuncie e novas eleições para a Presidência da ANP aconteçam em 60 dias.

Um dos fatores mais importantes influenciando os acontecimentos na ANP é a posição da comunidade internacional e dos Estados árabes. A questão central é se estes países vão continuar a oferecer ajuda financeira. Os EUA, por exemplo, não podem ter contato com o Hamas devido às suas leis, que definem o grupo como terrorista. A União Européia também terá que encontrar uma fórmula para continuar ajudando a ANP.

Na frente doméstica, a questão central está ligada à capacidade de Fatah e Hamas colaborarem. Os dois partidos já demonstraram intenções positivas. Não é coincidência que Marwan Barghouti, que encabeçava a lista do Fatah, preferia se dirigir aos eleitores em geral e não apenas a simpatizantes do Fatah em entrevistas ¿ ele pode ter antecipado a derrota do Fatah, preferindo se apresentar como líder de todos os palestinos. Nem é coincidência que membros do Hamas freqüentemente tenham usado a palavra ¿parceria¿ em suas declarações.

www.oglobo.com.br/mundo