Título: GELO ANTÁRTICO ESCONDE 145 LAGOS
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Fonte: O Globo, 27/01/2006, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 29

Águas subterrâneas podem preservar ecossistema de 35 milhões de anos

NOVA YORK. O Vostok pode ser o maior e mais conhecido lago subglacial do mundo, mas não está sozinho lá embaixo, encapsulado sob quase quatro mil metros de gelo antártico. Cientistas identificaram 145 outros lagos sob o gelo, revelando que a Terra ainda guarda lugares totalmente desconhecidos do homem. Até agora, no entanto, nenhum excedeu o Vostok, um dos dez maiores lagos do mundo, em tamanho ou profundidade.

Em estudo a ser publicado na edição de fevereiro da ¿Geophysical Research Letters¿, cientistas do Instituto da Terra da Universidade de Columbia, descrevem, pela primeira vez, tamanho, profundidade e origem dos dois maiores vizinhos do Vostok. São chamados de 90ºE e Sovetskaya (um em razão da longitude e o outro por estar bem embaixo de uma estação russa de pesquisa).

As descobertas também indicam que, a exemplo do que provavelmente ocorre no Vostok, os dois lagos podem preservar um exótico ecossistema de 35 milhões de anos atrás, época em que foram isolados da superfície.

Os geofísicos Robin Bell e Michael Studinger combinaram dados de um radar subglacial, imagens de satélite, estudos sobre a gravidade e ainda os registros de uma expedição russa à Antártica que, sem saber, cruzou os lagos em 1958. Com colegas da Universidade de New Hampshire e da Nasa, os geofísicos sustentam em seu estudo que a superfície do lago 90ºE tem dois mil quilômetros quadrados; só perde em área para o Vostok, que tem uma superfície de 14 mil quilômetros quadrados. Já a área de superfície do lago Sovetskaya foi calculada em 1.600 quilômetros quadrados. Ambos estão completamente isolados sob mais de três quilômetros de gelo.

A profundidade dos lagos, estimada em pelo menos 900 metros, foi calculada com base em dados gravitacionais. É que sob os lagos, a atração gravitacional é muito mais fraca. Por isso, é possível estimar a presença de volumes de água pelos dados gravitacionais.

Sua profundidade e o fato de serem paralelos ao Vostok indicam que o sistema dos lagos é de origem tectônica. Lagos formados por geleiras ou impacto de meteoritos têm vida mais curta, segundo os especialistas. Já os lagos criados por falhas na crosta terrestre costumam ser mais profundos e se preservar por mais tempo. Alguns dos pequenos lagos subglaciais descobertos pelos cientistas podem ser do tipo originalmente efêmero, subitamente preservados pelo isolamento.

Temperatura das águas é de 2 graus Celsius negativos

Ninguém sabe ao certo como as águas encapsuladas sob o gelo não congelam. Os cientistas acreditam, no entanto, que uma combinação do calor da Terra sob o lago com a grossa camada de gelo flutuante sobre ele garante temperaturas de 2 graus Celsius negativos enquanto que, no continente, pode chegar a 80 graus negativos no inverno. Os cientistas acreditam ainda que os lagos recebem fluxos de nutrientes capazes de manter seu ecossistema.

Segundo o estudo, a despeito das mudanças climáticas na superfície ao longo dos últimos dez milhões a 35 milhões de anos, o volume dos lagos teria se mantido constante, oferecendo um ambiente estável para a preservação de ecossistemas muito antigos, adaptados ao frio.