Título: No passo certo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 28/01/2006, O GLOBO, p. 2

Quando o Congresso acerta o passo no trabalho, a vigilância relaxa, inclusive a da imprensa. É natural que seja assim mas vale a pena conferir o que fez a Câmara depois de ter apanhado muito pelo recesso branco e remunerado de que desfrutou entre 15 de dezembro e 16 de janeiro. Ao ato de contrição, a aprovação do fim do subsídio extra e do encurtamento do recesso, seguiram-se duas semanas de labor intenso e muita produção.

Embora as maiores atenções tenham se concentrado na votação da emenda que liberou as coligações eleitorais, uma política para os políticos, os deputados legislaram sobre outros e até mais importantes temas, de interesse público e geral. O balanço que se segue é da presidência da Casa e sugere que, mesmo não sendo uma fábrica de leis, como disse o deputado Aldo Rebelo, quando se sente estimulada ou pressionada, a Câmara consegue funcionar em ritmo mais satisfatório. Em parte isso se deve ao fato de os deputados, escaldados, estarem comparecendo em massa às sessões, inclusive às que Aldo passou a marcar para as noites de segunda-feira. O número de matérias aprovadas nos últimos dias recomenda ao Senado que também aperte o passo, antes que tenha a pauta empanturrada e passe a atrair as cobranças.

Nestas duas semanas de funcionamento extraordinário a Câmara aprovou cinco emendas constitucionais (PECs), três medidas provisórias e dois projetos de lei. Neste ritmo, o déficit e a morosidade legislativos em breve seriam assuntos mortos. As PECs são as proposições legislativas de votação mais complicada, em função da exigência do quórum qualificado de 3/5 dos votos. Aprovar cinco em tão poucos dias foi uma proeza. Tantas mexidas na Constituição não traduzem uma virtude, muito pelo contrário. Mas no Brasil estamos refazendo, por partes, uma Constituição que teve muitos pontos superados pela realidade.

Além da PEC que derrubou a verticalização foram aprovadas emendas para a criação do Fundeb, importantíssima e mal noticiada, para reduzir o recesso, regulamentar a contratação de agentes comunitários de saúde e acabar com o monopólio da União na produção de equipamentos de radioisótopos, tão importantes no combate ao câncer. Ocioso dizer que tal assunto nunca deveria é ter entrado na Constituição.

As três medidas provisórias trataram de liberação de recursos orçamentários, uma delas para a operação tapa-buracos. Apesar das críticas a tal iniciativa no ano eleitoral, o fato é que as obras eram necessárias e estão sendo feitas de norte a sul. O assunto era, portanto, relevante e urgente, critério nem sempre seguido pelo governo ao baixar MPs. Um dos projetos de lei aprovados tem um deputado como autor, Beto Albuquerque (PSB-RS). Não é de hoje que o Congresso, sempre a serviço do Executivo, raramente aprova projetos de seus membros. Este tornou obrigatória a inclusão do bafômetro entre os instrumentos da fiscalização do trânsito. Morre-se e mata-se muito por bebida neste país. Agora, quem se recusar a fazer o teste será punido por dirigir alcoolizado. Antes, ficava por isso mesmo. O outro criou o Parque Tecnológico de Brasília dentro do Parque Nacional, riquíssima reserva ecológica colada à cidade, que teve sua área ampliada de 31 para 36 mil hectares. Vitória do verde sobre a ocupação desordenada da cidade. Na semana que vem a Câmara promete votar outro projeto de interesse público que pede passagem há algum tempo, o que cria o Simples Federal e facilita o registro de pequenas e médias empresas.

Quando trabalha direito, a Câmara faz apenas sua obrigação mas isso também merece registro. Tomara que dure.

Ensaios de campanha

A partir do mês que vem, o governo põe no ar uma nova safra de comerciais capitalizando boas notícias recentes, como a queda no desemprego e o aumento da renda. Já o aumento do salário-mínimo para R$350 deve ser objeto de um pronunciamento de Lula em cadeia de rádio e TV. Ele vem ensaiando os argumentos que usará para neutralizar a acusação de não ter cumprido a promessa de dobrar o valor do salário-mínimo. Um deles: no acumulado, a valorização foi maior que no governo anterior. No primeiro mandato de FH, a valorização acumulada foi de 20,5%. No segundo, de 20,1%. Em seus quatro anos, de 25,3%.

Outro: ao tomar posse, encontrou o salário-mínimo valendo US$58. Elevou-o para US$146, uma valorização de 152%. Mas esta comparação perde o sentido, se lembrada a intensa depreciação do dólar frente ao real. De todo modo, a oposição vai ficar roxa de tanto protestar contra a ¿campanha extemporânea¿ do presidente.

Em tempo: ao contrário do que foi dito aqui esta semana, as peças publicitárias do governo dirigidas para cada estado não foram produzidas sob a orientação do publicitário João Santana, que tem prestado apenas assessoria pessoal ao presidente. Foram concebidas pela Secom, sob a supervisão do ministro Luiz Dulci, que discutiu todos os detalhes com o próprio Lula.

LULA começará logo a perguntar a cada um de seus ministros se pretende ou não deixar o cargo para disputar as eleições. Alguns podem ter a saída antecipada, para facilitar a vida do sucessor, que terá pouco tempo para conhecer a máquina e ainda produzir os resultados que Lula espera.

TEM GENTE no governo achando que a crise acabou e que a situação está tão boa que já podem até voltar à prática do fogo amigo, novamente em alta na Esplanada e no Palácio.