Título: OS DILEMAS DO FUTURO GOVERNO
Autor:
Fonte: O Globo, 28/01/2006, O Mundo, p. 29

Não há dúvidas de que o Hamas foi surpreendido por sua avassaladora vitória nas eleições legislativas palestinas. Uma atenta releitura do programa eleitoral do movimento mostra que seu principal tema é livrar as instituições do grupo e as mesquitas da intervenção da Autoridade Nacional Palestina (ANP) e particularmente dos serviços de inteligência palestinos. Nem por um momento os líderes do Hamas imaginaram que após as eleições o grupo tomaria as rédeas dos mecanismos de segurança palestinos.

O primeiro dilema que o Hamas enfrentará será recompor uma força de segurança palestina coesa sem ter estado no controle, no presente, de todos os mecanismos oficiais de segurança.

Os porta-vozes do Hamas, de fato, já falaram sobre a formação de uma força militar unida, mas ninguém deseja arriscar se o Fatah vai concordar com tal força ou se formará uma oposição combativa ¿ como o Hamas foi para o Fatah durante a intifada.

Esta é uma questão central e a resposta para ela será uma indicação das intenções do Hamas e de sua capacidade para administrar a ANP por um período razoável. Quando tudo tiver sido dito e feito, o Hamas será julgado por sua capacidade de manter a estabilidade do cessar-fogo e, antes de tudo, de controlar movimentos como a Jihad Islâmica e as Brigadas dos Mártires de al-Aqsa.

Após ganhar legitimidade do povo palestino, o próximo objetivo do Hamas é obter o reconhecimento internacional ¿ um pré-requisito para a capacidade do movimento e do governo a ser estabelecido por ele ¿ para manter as promessas econômicas do centro de sua campanha eleitoral.

Em jogo estão somas em torno de 500 milhões de euros (mais de US$610 milhões) da União Européia, e outros US$150 milhões dos Estados Unidos.

Outro problema com o qual o Hamas terá que lidar é relativo às futuras relações de seu governo com os Estados árabes ¿ particularmente Jordânia, Egito e Arábia Saudita, que constituem a espinha dorsal política e econômica palestina. O Hamas foi muito cuidadoso ao não colorir sua campanha eleitoral com um tom religioso. Em vez disso, escolheu se promover como um movimento nacionalista. O aspecto religioso do movimento teve pouca menção em sua carta de intenções.

De certa forma, a estratégia do Hamas tem sido similar à empregada pelo Partido Justiça e Desenvolvimento, no poder na Turquia. Entretanto, no momento em que um movimento assume o poder num Estado árabe, mesmo que seja um Estado apenas no papel, ele inspira grandes preocupações e temores entre países árabes, que observam apenas os modelos sudanês, talibã e iraniano, em vez do turco.

Negociações com Israel não estão atualmente na agenda ¿ não até a formação de um novo governo, pelo menos. O maior dilema do Hamas neste caso é como se opor à política unilateral de Israel e rejeitar negociações com o país ao mesmo tempo.

ZVI BAR¿EL é colunista do Ha¿aretz