Título: PALESTINOS EM FÚRIA
Autor:
Fonte: O Globo, 28/01/2006, O Mundo, p. 29

Milhares de militantes do Fatah protestam e trocam tiros com ativistas do Hamas

CIDADE DE GAZA

Tensão e desordem se espalharam ontem dos territórios palestinos, lançando dúvidas sobre o futuro de seu povo, um dia depois da inesperada vitória do movimento radical islâmico Hamas nas eleições legislativas de quarta-feira. Furiosos com a derrota do Fatah, cerca de 20 mil ativistas da facção foram às ruas e muitos se concentraram em frente ao Parlamento para exigir a renúncia do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, e de todo o governo, culpando-os pelo fim de uma era de mais de 40 anos de predomínio no movimento palestino. Tiros foram disparados para o alto e carros foram incendiados. Forças de segurança não reagiram. Em outras áreas, houve confrontos armados entre militantes dos dois lados.

Mohammad Dahlan, dirigente do Fatah, fez um apelo por calma, lembrando o líder que conduziu os palestinos durante décadas até sua morte há 14 meses:

¿ Não ofendam a memória de Yasser Arafat fazendo isso.

Dahlan reafirmou que o Fatah não pretende participar do novo governo, apesar de ter sido convidado pelo Hamas para ¿uma parceria política¿. Mas não conseguiu conter a ira da multidão. Incentivando a revolta, uma rádio do Fatah transmitiu a canção ¿Hoje é o dia da ira¿, que o Hamas costumava usar em protestos. Já as Brigadas dos Mártires de al-Aqsa ¿ ligadas extra-oficialmente ao Fatah ¿ ameaçaram eliminar os dirigentes da facção se eles mudarem de idéia e participarem do novo governo.

Milicianos desfilam sem máscaras

A revolta dos ativistas ¿ que acusavam o Fatah de corrupção e incompetência ¿ contrastou com as celebrações de milhares de eleitores do Hamas, que em várias cidades ergueram a bandeira verde do grupo. Na Cidade de Gaza, cerca de mil palestinos, muitos deles armados, foram até a casa de Abbas, que estava, porém, em Ramallah, sede da ANP. Os protestos se estenderam à Cisjordânia.

¿ Eles (o Fatah) desperdiçaram 40 anos de luta e sacrifício ¿ disse o militante Abu Majd, erguendo seu rifle em sinal de desafio.

Em Nablus, simpatizantes do Hamas estenderam faixas em prédios públicos enquanto membros das Brigadas Izz el-Din al-Qassam ¿ milícia do grupo radical ¿ desfilavam nas ruas armados e de uniformes, mas sem as habituais máscaras. Na cidade de Khan Younis, em Gaza, 20 mil ativistas do Hamas celebraram a vitória, mas confrontos explodiram e três palestinos ficaram feridos. À noite, novos confrontos deixaram dois feridos.

Lula prevê exercício de democracia

Ismail Haniyeh, que liderava a lista de candidatos do Hamas, disse que telefonara para Abbas e que ambos haviam combinado um encontro nos próximos dias.

¿ Vamos conversar sobre vários assuntos, inclusive a formação de uma parceria política ¿ disse.

Mas o presidente da ANP não fez qualquer menção à conversa e procurou acalmar os palestinos:

¿ Estamos fazendo consultas, mantendo contato com todos os grupos palestinos e, com certeza, na hora apropriada, o maior partido (Hamas) formará o Gabinete.

Mahmoud Zahar, dirigente do Hamas, disse que um novo governo deverá ser formado dentro de duas ou três semanas.

¿ Não será um governo apenas nosso. Vamos trabalhar com o Fatah, com independentes e outros partidos para formar um governo nacional ¿ insistiu.

O Comitê Central do Fatah assinalou, porém, que o partido será oposição e que deixará o Hamas cometer erros ao lidar com os problemas palestinos e com Israel. O grupo radical conquistou 76 das 132 cadeiras do Parlamento, o que lhe garante a formação de um Gabinete. O Fatah terá 43 deputados.

Em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que ¿a eleição do Hamas vai fazer com que o exercício da democracia seja levado a sua plenitude¿.

¿ Vai ser extremamente importante praticar o exercício da democracia, respeitar regras, organismos internacionais, decisões multilaterais e duas coisas que o mundo reconhece: nós reconhecemos a existência do Estado de Israel e reconhecemos a existência do Estado palestino ¿ disse.

Lula acrescentou:

¿ Todos nós estaremos vigilantes para que o Estado de Israel seja respeitado, para que o Estado palestino seja respeitado e para que a gente encontre paz no Oriente Médio.

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