Título: Lula e o PT na encruzilhada
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 29/01/2006, O GLOBO, p. 2

Ao contrário do que se tem dito, Lula ganha muito pouco com o fim das coligações verticais. Apoiando a derrubada desta regra, ele agradou aos caciques peemedebistas que podem apoiá-lo nos estados, mas dificilmente terá o apoio oficial do partido. Amansou também o PSB e o PCdoB, que vinham ameaçando não se coligar formalmente com o PT. Este sim, é quem mais perde. Lula e o PT estão se tornando estranhos, porém íntimos.

Na verdade, Lula parece entender-se agora como um líder suprapartidário e isso não o diferencia, pelo contrário, o aproxima dos líderes mais tradicionais da política brasileira. Se ele pode ganhar apoios formais ou informais, com o ¿liberou geral¿, o PT enfrenta agora o risco de isolamento eleitoral nos estados. Com a eleição presidencial descolada das disputas regionais, os partidos mais ¿pragmáticos¿ poderão apoiar Lula sem ter que se coligar com o PT. Nos estados, os petistas e os outros nunca se entenderam mesmo. O PMDB, por exemplo, em Minas deve marchar com Aécio Neves e no Rio Grande do Sul tem o PT como grande rival. Em Pernambuco, nem o amigo PSB deve ficar com o PT, preferindo lançar um candidato próprio ao governo do estado, o ex-ministro Eduardo Campos. Até o pequeno PCdoB em tese pode agora bancar a candidatura do ministro Agnelo Queiroz a governador de Brasília, com ou sem o apoio do PT. Não deve fazer isso porque precisa se coligar para eleger deputados e tentar cumprir a cláusula de barreira.

Para um PT que levou um tiro de canhão no peito com a crise, a disputa nestas condições fortalecerá a tendência de encolhimento parlamentar, ainda que Lula se eleja. Já nem dispõe de bons candidatos a governador, o que piora as coisas. Os melhores conhecedores da dinâmica eleitoral prevêem que o PMDB tem grandes chances de ressurgir como maior partido na Câmara: tem uma grande capilaridade, sete candidatos competitivos a governador e não saiu marcado da crise. Com a desverticalização, tem tudo para crescer e aparecer. O PSDB deve crescer um pouco, assim como o PFL. O candidato presidencial tem pouca influência sobre a eleição parlamentar. Em 2002, apesar da avalanche de votos em Lula, o PT ficou com apenas 17% das cadeiras na Câmara. Devem crescer ainda outros partidos que já mostraram fôlego na eleição municipal passada, como o PSB e o PDT. Já os chamados partidos do mensalão certamente vão encolher. Ou, dito de outro modo, voltar ao tamanho que tinham antes de receberem o fermento que os inchou.

Ou seja, Lula faz um jogo para ganhar a eleição mas não está pensando no dia seguinte, em como governará se conquistar um segundo mandato. O PT, por seu lado, mostrou que está pensando mais na sobrevivência do que na conservação do poder, ao votar em peso contra a mudança na regra defendida pelo presidente. Em Brasília, vão se estranhar de novo na discussão do programa de governo. São um casal em crise tentando manter as aparências.

Muitos e nem todos identificáveis são os efeitos da desverticalização, tão variadas são as realidades políticas regionais. Mas o sistema não ficará nem pior nem melhor por isso. O que pode abrir o caminho para seu aperfeiçoamento é a cláusula de barreira, que produzirá um novo quadro partidário, mais enxuto e consistente. Sobre ele, se tiverem disposição, os novos congressistas poderão produzir uma reforma política racional e eficiente, embora seja difícil acreditar nisso.

Vícios que malham mas não largam

A campanha está aí e não se produziu nenhuma regra que ameace mudar as práticas de financiamento eleitoral. Elas se valem do caixa dois como instrumento e seguem a máxima de que ¿uma mão lava a outra¿, embora continuem sujas: uma dá o dinheiro, a outra retribui com proteção política. A inovação do TSE, ao encarregar a Receita Federal de fiscalizar as doações, segundo o deputado Francisco Dornelles vai é blindar o caixa dois. Na mira do Fisco, ninguém fará doações declaradas.

Esta semana o deputado tucano Jutahy Júnior endossou o discurso petista ao dizer, em defesa do deputado pefelista Roberto Brant, que ¿se é para punir caixa dois, tem que punir todo mundo¿. É claro que nem todos os deputados que o Conselho de Ética manda para o paredão cometeram apenas este crime. Mas está entendido que o vício é tolerável, desde que não fiquem vestígios.

A tal opinião pública indignada podia dar um último suspiro e exigir uma providência. Ainda é tempo: A Câmara está para votar o projeto do senador Bornhausen que busca o barateamento das campanhas. Não trata neste caso de mudança de regras, mas de fiscalização e punição mais drástica. Por exemplo, a perda de mandato para os praticantes que forem descobertos.