Título: VOLTA POR CIMA
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Fonte: O Globo, 29/01/2006, Opinião, p. 6

Há muito tempo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não desfrutava de uma semana como a que passou. Os ventos, na verdade, haviam mudado de direção um pouco antes, com a última pesquisa eleitoral. Em seguida, veio a vitória na aceitação pela Câmara do fim da verticalização ¿ se confirmado, permitirá ao presidente fazer as mais esdrúxulas alianças regionais para tentar se reeleger ¿ e, por fim, surgiram do IBGE números positivos sobre emprego e renda.

Devem ter soado como música nos ouvidos presidenciais: o desemprego de 8,3% em dezembro foi o mais baixo desde 2002; o aumento de renda do assalariado em 2005 se notabilizou por ser o primeiro ocorrido, em relação ao ano anterior, desde 1997; e continuou a avançar a criação de empregos formais.

Dúvidas sobre a qualidade dessas vagas com carteira assinada não chegarão a impedir o presidente e assessores de brandir as estatísticas como peça de propaganda. É do jogo político-eleitoral. Mas não deveria escapar à percepção do presidente uma notável coincidência: todos esses números auspiciosos foram produzidos enquanto parte do seu governo e dos petistas atacava a política econômica responsável por esse êxito.

Lula tem repetido que as eleições não o farão embarcar o país numa aventura populista. Se ele ainda tiver dúvidas, a pesquisa do IBGE as soterrará todas. Pode-se contestar alguma overdose na política monetária. Mas é indiscutível que ela quebrou a espinha dorsal da tendência de alta da inflação esboçada em 2004. E foi basicamente por causa da perda de fôlego da inflação que a renda do trabalhador subiu.

Se dúvidas persistirem, aconselha-se acompanhar o mergulho no mar de problemas que a Argentina de Néstor Kirchner começa a dar, em grande estilo. Depois de ter criado uma bolha de crescimento, ganhado as eleições provinciais mas catapultado a inflação para a faixa dos dois dígitos anuais, Kirchner tenta conter a velocidade da remarcação dos preços à base de congelamentos e acordos setoriais. O Brasil de Sarney e de Collor aprendeu que isso é sinônimo de desabastecimento e mais inflação à frente. Os céticos têm, assim, todas as condições de se convencer de que não existe mesmo espaço para experiências heterodoxas na economia.