Título: UM RETUMBANTE FRACASSO NACIONAL
Autor: Carlos Henrique Araújo e Nildo Luzio
Fonte: O Globo, 29/01/2006, Opinião, p. 7

Se há um consenso sobre a educação básica no Brasil, este é o da falta de qualidade. Em todo o país, estão 55% das crianças de 4ª série em estágios muito crítico e crítico de desenvolvimento da leitura. Mais de 70% dos estudantes nordestinos estão nesses mesmos estágios, segundo a avaliação nacional de 2003. Portanto, um retumbante fracasso nacional.

Para completar o quadro de ineficiência temos o seguinte: a taxa nacional de repetência, em 2003, foi de 30,1% na primeira série e de 19,8% na segunda. Isso significa que, aproximadamente, 2,7 milhões de estudantes estavam repetindo a série cursada no ano anterior. As dimensões da repetência nas duas séries iniciais de escolarização correspondem, em termos financeiros, a mais de 2 bilhões de reais. É metade do que o governo federal está planejando investir a mais em educação básica por meio do Fundeb, em quatro anos.

A questão do financiamento da educação pelo setor público polariza as análises. De um lado, estão os que avaliam como insuficiente o montante de recursos. Muitas vezes, eles reduzem o problema educacional brasileiro a uma questão de financiamento. Por outro, há os que alertam para a necessidade de se avaliar a eficiência na alocação dos recursos. Consideram, em suas análises, os problemas de gestão do setor educacional, e estes não são poucos.

Ao se comparar a proporção do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro que é investido em educação veremos que o montante está próximo ao de países que têm uma performance muito melhor no setor. É claro que o Brasil enfrenta um imenso problema de gestão. Isto se torna evidente ao observar os indicadores de fluxo e de desempenho escolar. É necessário e urgente buscar a eficiência e a eficácia nos resultados nacionais do sistema educacional.

Diante desses números que envergonham o país, o governo federal anuncia mais um ano para o ensino fundamental ¿ agora são nove. Mais um ano, com os mesmos professores e com as mesmas escolas. A Lei de Diretrizes e Bases aumentou o número mínimo de dias letivos para 200. O que aconteceu? Quase nada. Com nove anos, o que acontecerá? A resposta depende da adoção de um projeto pedagógico conseqüente e eficiente para justificar o ano a mais. Caso contrário, as crianças continuarão sem aprender os mínimos necessários e patinarão nesse funil educacional. De cada 100 crianças que se matriculam na 1ª série do ensino fundamental, somente 61 vão completar essa fase e 33 chegarão ao final do ensino médio.

Para transformar a educação nacional é necessário investir na formação inicial dos professores, reformar os currículos do ensino superior e levar a sério os cursos de licenciatura. Um professor deve ser o portador de conhecimento sólidos, de caráter universal, e da didática, testada e comprovada sua eficiência. Os diretores escolares precisam monitorar o trabalho dos professores e contribuir para que a escola esteja voltada ao aprendizado.

Os professores devem conhecer os avanços mundiais na pesquisa em torno do ensino da leitura, por exemplo. Devem ter clareza sobre as implicações de tais estudos para o ensino da língua escrita. Para além dos modismos pedagógicos é preciso ter capacidade de crítica e de argumentação, superando posições ideológicas arraigadas ou a adoção de modelos não-científicos em sala de aula.

Ainda, é preciso definir quais os objetivos educacionais pertinentes a um possível ciclo inicial do ensino fundamental. Por questão de bom senso, não há como escapar da prioridade da alfabetização. Ou seja, o primeiro ciclo deve perseguir de forma competente o ensino da leitura e da escrita, o pleno domínio pela criança do sistema de escrita alfabético.

O professor pode ter liberdade de escolha dos métodos de trabalho. Porém, deve ter clareza e capacidade de justificar seus métodos. Sobretudo, deve saber que será avaliado nos resultados de seu trabalho. Esta é uma importante dimensão de adoção de um ciclo de organização escolar inicial. É preciso que se avalie o resultado tecnicamente. E essa avaliação deve ser externa. Secretários de Educação devem estar dispostos a adotar os procedimentos de avaliação. Para tanto, deve contar nas escolas com gestores orientados a criar um clima escolar favorável ao aprendizado, baseado numa estrutura de relações entre os atores escolares e a comunidade voltada para o sucesso das crianças. Por fim, pode-se pensar em uma estrutura de premiação e valorização dos docentes e gestores baseada em critérios objetivos de desempenho individual e institucional.

Caso essas providências não sejam tomadas, o país vai, cada vez mais, ficar refém de falsas questões. É preciso investir mais, porém mais urgente é investir melhor. Não adianta aumentar recursos e anos de estudo em sistema educacional carente de eficiência, metas e planos consistentes.

CARLOS HENRIQUE ARAÚJO é secretário-executivo adjunto da ONG Missão Criança. NILDO LUZIO é gestor de políticas públicas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).