Título: FÓRUM SOCIAL REVELA DIVISÃO NA ESQUERDA LATINO-AMERICANA
Autor:
Fonte: O Globo, 29/01/2006, Economia, p. 35

Enquanto Hugo Chávez prega distanciamento do capitalismo, Brasil e Chile se aproveitam do livre mercado

CARACAS. Os debates do VI Fórum Social Mundial, que termina hoje em Caracas, revelaram profundas diferenças entre esquerdistas latino-americanos, sobretudo no que diz respeito a estratégias a serem adotadas para ajudar os pobres e enfrentar os aspectos negativos da globalização.

Alguns ativistas estão de acordo com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e sustentam que a América Latina precisa passar por uma mudança radical, apartada do capitalismo. Outros, entretanto, argumentam que é preciso aproveitar o livre mercado, como faz o Chile, e convertê-lo em ferramenta para ajudar no combate à pobreza.

Do Chile à Venezuela, diversos líderes de esquerda chegaram ao poder em recentes eleições, o que revela a busca por uma alternativa diferente das oferecidas pelos partidos tradicionais, cujos dirigentes, na maioria dessas nações, são vistos como corruptos e pouco sensíveis à miséria da população.

Para muitos ativistas, no entanto, a eleição de diversos líderes de esquerda na região está longe de ser um sinal de que os eleitores latino-americanos estariam dispostos a mudar radicalmente e muito menos de que exista uma postura monolítica entre os esquerdistas latino-americanos.

Militares têm papéis diferentes

Segundo analistas políticos, a vitória de esquerdistas como Evo Morales, na Bolívia, Tabaré Vásquez, no Uruguai, e Hugo Chávez, já há alguns anos na Venezuela, responde a uma necessidade de mudança, mas relacionada a particularidades históricas e a realidades diferentes.

A eleição de esquerdistas moderados como Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, do chileno Ricardo Lagos e sua sucessora, Michelle Bachelet, refletem situações históricas distintas e diferentes graus de consciência política, segundo a historiadora venezuelana Margarita López Maya.

¿ A esquerda de Chávez é muito diferente da esquerda de Evo Morales ¿ afirmou a historiadora.

Enquanto Morales chegou ao poder apoiado por movimentos de indígenas, camponeses e ecologistas, Chávez foi respaldado por uma aliança eleitoral que, na visão de Margarita, transformou-se numa aliança militar:

¿ Embora não pareça, os militares são a esquerda.

Países como Brasil, Chile e Argentina, que passaram por ditaduras militares, têm uma visão distinta de democracia e da economia de mercado daquela do mandatário da Venezuela, que não teve ruptura da democracia desde 1958.

De alguma forma, as experiências de brasileiros, chilenos e argentinos os levaram a ser menos desconfiados do livre mercado e a se afastarem da velha doutrina marxista-leninista de um estado centralista.