Título: Opção entre dinheiro e atentados
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 29/01/2006, O Mundo, p. 36

TEL AVIV. O analista Shaul Mishal, da Universidade de Tel Aviv, acredita que, ao menos a curto prazo, o grupo radical islâmico Hamas deve dar uma trégua a Israel, e diz: ¿O Hamas tem pela frente um dilema entre a ideologia e a realidade¿.

A entrada do Hamas no governo ameaça o frágil cessar-fogo acertado com Israel?

SHAUL MISHAL: A trégua deve permanecer num primeiro momento. Como movimento islâmico, o Hamas precisa de verbas para seus projetos sociais sobretudo na área de educação e religião, mas para isso depende de doações de fundos internacionais, dos EUA e da União Européia. Uma onda de terror seria prejudicial à imagem do grupo no exterior e deixaria a ANP de cofres vazios. Eles terão de optar entre dinheiro e atentados.

O que se pode esperar de um governo sem experiência política?

MISHAL: Ainda é uma incógnita. Há um ponto positivo que é o fato de a nova liderança do Hamas ser feita de gente que nasceu e cresceu nos territórios. Ao contrário da geração que criou o Fatah, como Arafat e Mahmoud Abbas, que passaram anos no exílio, a liderança do Hamas esteve todo o tempo em campos de refugiados. São jovens que falam idiomas e têm formação acadêmica. Mahmoud al-Zahar, por exemplo, é médico e dá aulas em universidades palestinas. Neste ponto levam vantagem sobre o Fatah, que perdeu o contato com a realidade dos territórios.

Qual o maior desafio do grupo na entrada na vida política?

MISHAL: Vejo o Hamas entrando numa crise de identidade. Seus partidários têm uma forte carga ideológica e religiosa que não combina com a realidade do Oriente Médio. Eles não poderão varrer Israel do mapa, como defendem em seu estatuto, mas também não poderão fazer tantas concessões a Israel. Haverá um dilema, pois se seguirem fiéis à linha-dura, ficarão isolados do mundo e se começarem a aceitar a existência de Israel, deixarão de ser o verdadeiro Hamas. É preciso um meio-termo. (R.M.)

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