Título: Ondas de choque da `Revolução Verde¿
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 29/01/2006, O Mundo, p. 36

Reviravolta no poder palestino abre espaço para alianças radicais e desequilibra cena política no Oriente Médio

TEL AVIV. Mais do que acabar com o monopólio de 40 anos do partido Fatah no poder, a vitória democrática do movimento radical islâmico Hamas nas eleições palestinas abre uma nova temporada de incertezas no Oriente Médio. Enquanto o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, agoniza no leito do hospital e aumentam as disputas internas para substituí-lo, o triunfo dos radicais nas urnas desperta a ira de Israel e abre à nova administração palestina as portas para possíveis parcerias com regimes islâmicos linha-dura como o do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ou do presidente sírio, Bashar al-Assad.

Irã e Síria podem se beneficiar do resultado

A chegada do Hamas ao poder pela primeira vez na História ecoou em todo o mundo árabe. Na Síria, onde acredita-se estarem os mais proeminentes líderes do grupo, milhares de palestinos refugiados comemoraram a vitória. O governo de Damasco ¿ envolvido numa disputa territorial com Israel pelo controle das Colinas de Golã, anexadas em 1967 ¿ é acusado pelos israelenses de financiar as atividades militares do Hamas e dar apoio logístico a fundamentalistas. Já no vizinho Líbano, sede do grupo guerrilheiro Hezbollah, as celebrações foram mais discretas.

Além de ser palco de confrontos esporádicos entre militantes do Hezbollah e tropas israelenses na fronteira com Israel, fontes do serviço de inteligência israelense garantem que desde o início da intifada há agentes do Hezbollah infiltrados na Faixa de Gaza trabalhando em conjunto com o Hamas, parceria que, se confirmada, pode se estreitar após as eleições.

Outro beneficiado com a vitória do Hamas é o governo do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Após uma série de declarações polêmicas provocando Israel e o anúncio da retomada de seu programa nuclear, Teerã vê no Hamas um parceiro para monitorar o desenvolvimento de armas nucleares israelenses.

Embora o governo israelense tente minimizar a surpresa provocada pelo pleito, a ascensão do Hamas é um golpe duro para Israel, ainda sensibilizado com a doença e a ausência de Sharon. Com seu homem-forte fora de combate, resta a expectativa pelas eleições previstas para o próximo dia 28 de março ¿ e o cessar-fogo entre israelenses e palestinos terá papel fundamental no resultado.

Caso a ameaça de violência representada pelo Hamas se concretize, o público pode optar por uma volta à direita, apimentando ainda mais a disputa entre o novo partido de Sharon, o Kadima, sob o comando do premier interino, Ehud Olmert, e o tradicional partido de direita Likud, do ex-premier linha-dura Benjamin Netanyahu.

Analistas consideram a ¿Revolução Verde¿, como vem sendo chamada a reviravolta na liderança palestina, um terremoto que remete aos dias anteriores à assinatura dos Acordos de Oslo, em 1993, quando Israel não tinha qualquer contato com Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e o discurso radical era a marca registrada da liderança palestina.

Além do poder do Hamas, responsável por dezenas de ataques terroristas, israelenses temem uma guerra entre grupos rivais nos territórios palestinos ¿ que poderia se alastrar para dentro do país ou desencadear uma nova onda de atentados.

Após uma administração fracassada e a humilhante derrota, a ala jovem do Fatah dá sinais de rebelião contra a velha guarda do movimento, liderada pelo presidente Mahmoud Abbas. Horas após o resultado oficial das eleições, muitos foram às ruas da Faixa de Gaza e da Cisjordânia pedir sua renúncia.

Líder preso pode aumentar sua influência

A derrocada do partido criado em 1965 por Yasser Arafat traz de volta às ruas discursos inflamados e devolve à cena a figura de Marwan Barghouti, líder da nova geração palestina, preso numa cadeia israelense há cerca de três anos sob acusação de terrorismo. Conhecido linha-dura, mesmo atrás das grades Barghouti acompanha e interfere nas decisões do partido.

Defensor da força e da resistência armada, acredita-se que terá sua influência reforçada pelo apoio de eleitores decepcionados que devem debandar da ala mais moderada do Fatah e partir para o tudo ou nada na luta pela criação de um Estado palestino independente.