Título: CRISE POLÍTICA PROVA A FALTA QUE FAZEM ARAFAT E SHARON
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 29/01/2006, O Mundo, p. 37

Num certo sentido, a volátil nova política do Oriente Médio ¿ tanto o abalo sísmico provocado pelos eleitores palestinos quanto as eleições israelenses que estão por vir ¿ ocorre devido à ausência de dois homens: Yasser Arafat, que morreu em novembro de 2004, e Ariel Sharon, que sucumbiu a um grande derrame este mês. Os dois eram velhos inimigos, o segundo já tendo dito em alto e bom som que gostaria de ter matado o primeiro quando teve a chance. Mas eles tinham algo em comum (por mais de três décadas no caso do presidente palestino, só muito recentemente no caso do primeiro-ministro israelense): o fato de incorporarem para muitos um senso de nacionalidade que ia além de uma mera política partidária.

O momento que se seguiu à morte de Arafat foi o ponto alto para o surgimento de uma nova geração de líderes dentro do Fatah. Ironicamente, Mahmoud Abbas, apesar de ser em termos técnicos um integrante da ¿velha guarda¿, percebeu isso. Ele é novamente o homem do momento, aquele que ninguém ¿ incluindo muitos dentro de Israel e no exterior que poderiam ter feito mais para ajudá-lo ano passado ¿ quer que renuncie à Presidência. Mas enquanto ele se despedia de Ahmed Qorei, seu primeiro-ministro que não foi lá muito cooperativo, e instalava o prisioneiro Marwan Barghouti ¿ e Israel pode agora finalmente enxergar as vantagens de libertá-lo ¿ como primeiro nome da lista partidária do Fatah, muitos na lista eram associados pela população a ineficiência e corrupção.

Isto não significa que o Fatah está morto, ou qualquer coisa parecida. Mas é difícil vê-lo se reconstruindo se não for com uma liderança coletiva dominada pela geração pós-Arafat de Barghouti.

Pensava-se depois que Sharon foi hospitalizado que seu próprio aparato político se fragmentaria como ocorreu com a ala de Arafat depois de sua morte.

Isto ainda pode acontecer. O líder do conservador partido Likud, Benjamin Netanyahu, por exemplo, com toda a sua aparência de seriedade, foi nada mais do que triunfalista ao afirmar que a vitória eleitoral do Hamas foi uma prova da veracidade de seus argumentos de que a retirada da Faixa de Gaza ¿premiou o terrorismo¿. Se ele puder persuadir os eleitores disso, ele representará uma verdadeira ameaça para o Kadima, o partido de centro fundado por Ariel Sharon que agora está nas mãos do primeiro-ministro interino Ehud Olmert.

Por enquanto isso não parece provável. Está longe de ser claro que os eleitores israelenses pensem que Netanyahu é o homem certo para tempos de incerteza. E as pesquisas ¿ até agora ¿ sugerem que a política do Kadima de fazer uma retirada gradual e limitada de territórios ocupados ainda encontra respaldo em um número suficiente de eleitores para colocar o partido de centro como o favorito para vencer o pleito do dia 28 de março. Mas dois meses é um longo tempo.

Poucos predisseram a escala da vitória de quarta-feira do Hamas, ou, até mesmo, que Amir Peretz conquistaria a liderança do Partido Trabalhista de Israel. Se a surpresa de quarta-feira prova alguma coisa, ela demonstra que a política na região está se tornando cada vez mais difícil de profetizar.

DONALD MACINTYRE é articulista do jornal ¿The Independent¿