Título: Novo revés para doutrina da Casa Branca
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 29/01/2006, O Mundo, p. 37

Eleição palestina se une a Iraque e Afeganistão como desafio à determinação dos EUA de exportar democracia

WASHINGTON. Vinte e quatro horas depois de conhecido o resultado das eleições palestinas, com a vitória do Hamas, brotou na última sexta-feira uma intensa discussão entre altos funcionários da Casa Branca e do Departamento de Estado.

¿ Não demorou para que surgissem dedos acusadores do lado do grupo minoritário, dentro do Departamento de Estado, formado por estrategistas que já tinham advertido que estávamos cometendo um erro a forçar uma eleição antecipada. O que era apontado como um grande risco acabou acontecendo ¿ revelou ao GLOBO um dos participantes.

Casa Branca apostava em vitória de moderados

A busca de um culpado, no entanto, foi logo substituída por um tema mais prático e imediato: o que fazer daqui por diante? E não só em relação ao caso palestino mas, também, quanto à doutrina da exportação da democracia à força das armas ou da ameaça dos EUA em utilizá-las, como nos casos recentes do Afeganistão e do Iraque.

A primeira conclusão foi que é preciso rever a atual doutrina, de forma a fomentar antes de tudo o fortalecimento das sociedades civis, em especial no Oriente Médio, antes de pressionar governos a darem saltos apressados:

¿ Está muito claro agora, para todos, que o governo americano forçou demais a mão ao pressionar (o presidente Mahmoud) Abbas a realizar logo uma eleição, na esperança de que ele passaria a ter controle completo da situação e, então, conseguir o desarmamento de radicais ¿ disse David Makovsky, do Washington Institute for Near East Policy.

Ele se referia ao fato de o governo Bush apostar que a ala mais moderada, o partido Fatah, criado por Yasser Arafat e hoje em mãos de Abbas, obteria uma folgada maioria. Agora, no entanto, ele se vê pressionado a criar um novo Gabinete que poderia vir a ter uma maioria de integrantes radicais do Hamas.

¿ Parece incrível mas acabamos cometendo o mesmo erro que tínhamos feito em relação ao Iraque. Assim como não contávamos com a forte resistência de grupos insurgentes, ou não demos o devido valor à essa ameaça, agora subestimamos a popularidade do Hamas ¿ disse outro funcionário que também vem participando das reuniões.

O grande dilema, agora, diz respeito aos próximos passos. Uma ameaça de cortar a ajuda de pouco mais de US$1 bilhão anuais que EUA e Europa dão à Autoridade Nacional Palestina (ANP), caso o Hamas se recuse a negar sua disposição de destruir Israel, poderia ser um passo em falso. Isso incentivaria o Irã, que sempre patrocinou aquele grupo, a ajudá-lo ainda mais.

Uma das preocupações da secretária de Estado, Condoleeza Rice, é evitar que Israel decida, como uma espécie de retaliação, reter impostos que recolhe de palestinos e compartilha com a ANP. Assim como Bush foi cauteloso ao comentar a vitória do Hamas, Condoleeza tratará ¿ em conversa com Abbas ¿ de criar uma forma de diálogo que não dê a impressão de que os EUA negociam com terroristas.

¿ A saída seria manter um canal aberto com o governo, mesmo que sua maioria seja formada por gente do Hamas. E, ao mesmo tempo, não ter diálogo direto com o Hamas como grupo ativista. Ele permaneceria classificado como grupo terrorista. Algo parecido como o que ocorreu na Irlanda, onde foi possível estabelecer um diálogo com o braço político do radical IRA ¿ disse uma segunda fonte do governo americano ouvida pelo GLOBO.