Título: DESIGUALDADE OFUSCA SONHO DA CIDADE MODELO
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 30/01/2006, O País, p. 8

A Brasília idealizada por JK exibe as mesmas mazelas das grandes cidades brasileiras

BRASÍLIA. Brasília nasceu encomendada por Juscelino Kubitschek para ser símbolo de um novo país, desenvolvimentista, sem distinções de classes, onde um funcionário público poderia ser vizinho de um senador. Quarenta e seis anos se passaram e a capital federal ganhou vida própria, tem defensores apaixonados e se orgulha de números como o que mostra que ela tem a maior renda per capita brasileira. Mas os anos também se encarregaram de dar à cidade a principal marca das metrópoles nacionais: a desigualdade.

Certa vez, o arquiteto Oscar Niemeyer, decepcionado com o caminho traçado pela cidade e com a explosão populacional de sua periferia, as cidades satélites, acusou-a de ser a cidade mais discriminatória do país. Tão discriminatória, afirmou, que não permitia que os operários que a construíram vivessem nela. Idealizador da capital, o urbanista Lúcio Costa, em sua última entrevista, em 1997, alertou que a cidade estava grande demais.

O desencanto dos pais de Brasília é traduzido em números. Projetada para abrigar 500 mil habitantes, tem hoje mais de dois milhões. O inchaço custou caro. A cidade convive hoje com índices de violência equivalentes às grandes capitais. Num ranking divulgado pelo Ministério da Saúde, com base em estatísticas de mortes, é apontada como a quinta mais perigosa do país. O crime está concentrado nas cidades-satélites, mas também atinge a classe média com a explosão dos casos de seqüestros-relâmpagos e extorsão por telefone.

¿ Brasília tem um centro projetado para ter alta qualidade de vida e uma periferia excluída desse sonho da cidade modelo. Não é mais ilha da fantasia. Está mais perto de qualquer grande cidade brasileira ¿ diz a professora do Departamento de Estatística da Universidade de Brasília (UnB), Ana Maria Nogales.

Meio milhão de pessoas se deslocam diariamente

A violência é a faceta mais cruel dessa desigualdade, mas Brasília tem hoje problemas não menos complexos, entre eles a dificuldade para transportar sua população. Diariamente, meio milhão de pessoas se deslocam entre as cidades-satélites para Plano Piloto, onde vivem hoje apenas 12% da população.

O aumento da população tornou Brasília paraíso dos grileiros. Nos anos 80, o governador Joaquim Roriz criou nove cidades satélites, entre invasões legalizadas e assentamentos. Essa população veio, em sua maioria, de cidades de Goiás e do Nordeste.

As mazelas do desenvolvimento produziram projetos na Câmara tão distintos quanto polêmicos, para alterar as dimensões do Distrito Federal. Há propostas para reduzí-lo ao Plano Piloto e para aumentá-lo. Seja qual for o destino da capital, a única certeza é a de que nunca mais será aquela idealizada por JK.