Título: SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO
Autor: Geralda Doca
Fonte: O Globo, 30/01/2006, Economia, p. 17

Falhas em sistema da Caixa impedem trabalhadores demitidos de sacar FGTS

Problemas operacionais em um sistema informatizado da Caixa Econômica Federal ¿ o Conectividade Social ¿ estão prejudicando milhares de empresas e trabalhadores em todo o país, impedindo o acesso às contas do FGTS. O Conectividade Social é o caminho pelo qual os próprios empregadores administram as contas do FGTS de seus funcionários. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, somente em duas redes de varejo, a Riachuelo e o Carrefour, há 2.800 trabalhadores desligados em dezembro que ainda não conseguiram pôr a mão no dinheiro.

Desde o fim do ano passado, muitas empresas não conseguem entrar no programa e obter a chave de identificação ¿ uma exigência da instituição para que os trabalhadores demitidos possam sacar os recursos do Fundo e a multa rescisória.

As empresas também podem ser prejudicadas pelo problema. Pela legislação, elas são obrigadas a recolher a multa rescisória, que incide sobre o saldo do trabalhador na conta do FGTS, num prazo de dez dias úteis a contar do desligamento, sob pena de pagarem 10% do valor devido, mais TR e 0,5% ao mês. Mas muitas não têm conseguido sequer consultar o extrato do funcionário para fazer cálculos e emitir a guia de pagamento.

Isso cria um outro problema para o trabalhador: como ele não consegue ser reconhecido pelo sistema como tendo sido demitido, não pode se cadastrar no seguro-desemprego.

Trabalhador abre mão de direitos

Técnicos da área de fiscalização das Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) do Rio, do Distrito Federal, de São Paulo e de Belo Horizonte ouvidos pelo GLOBO confirmam que são inúmeras as reclamações sobre o Conectividade Social.

¿ O problema é grave e tem abrangência nacional. Temos denúncias de que, em razão das dificuldades impostas pela Caixa para fornecer a chave de identificação, alguns trabalhadores estão negociando com a empresa e até abrindo mão de seus direitos rescisórios ¿ afirmou Alessandra Parreiras Fialho, responsável pelo setor de FGTS da DRT/MG.

Da Riachuelo, são cerca de dois mil os trabalhadores demitidos em todo o país no dia 29 de dezembro que ainda não têm uma solução. O ajuste no quadro de funcionários da rede fica para o fim do ano, quando é feita uma troca entre demitidos da folha permanente e temporários efetivados no cargo, explicou o supervisor de Relações Trabalhistas da empresa, Geraldo Tadeu de Oliveira.

Oitocentos trabalhadores do Carrefour estão na mesma situação. A rede Pão de Açúcar informou ter conhecimento de que todos os funcionários desligados em dezembro estão com dificuldades para sacar os recursos a que têm direito. No fim do ano passado, representantes dessas redes, além do Makro, reuniram-se com a unidade central da Caixa em São Paulo, quando pediram providências para facilitar os acessos ao programa. Funcionou apenas uma semana, contou um participante do encontro.

Dálen Dantas está entre os demitidos pela Riachuelo no mês passado. Depois de três anos e cinco meses na loja e com direito a R$3.500 de saldo do FGTS e multa rescisória, ela ainda não conseguiu receber o dinheiro. A empresa não consegue a chave pelo sistema da Caixa, contou:

¿ Fui à Caixa e eles disseram que o problema é da empresa. Na verdade, é um jogo de empurra danado.

¿ Tenho contas para pagar e preciso receber meu dinheiro logo. É um cansaço só e os funcionários da Caixa dão informações desencontradas o tempo todo ¿ reclamou Flávio Galante, outro ex-funcionário da Riachuelo.

Problema afeta empresas pequenas

A Riachuelo, segundo Oliveira, enviou aos trabalhadores várias cópias do site da Caixa, mostrando que a base de dados de São Paulo, onde fica sua matriz, estava fora do ar. Sem isso, não consegue a chave (senha criptografada) para acessar os dados dos funcionários. No documento, lê-se: ¿SP-base indisponível¿. A rede também enviou uma comunicação da diretoria sobre um acordo firmado com a gerência regional, no início deste mês, em que a instituição dispensava o número da chave para saque do FGTS nos contratos temporários, mas nem todas as agências estão cumprindo o acordo.

Empresas de pequeno porte também estão sofrendo com as falhas. Responsável pela contabilidade de 60 empresas no Distrito Federal, o contador Mardonedes Camelo de Paiva disse que dez enfrentam problemas com o Conectividade Social só neste mês. Segundo ele, qualquer correção tem que ser feita por meio eletrônico e, mesmo quando as contribuições ao FGTS estão em dia, muitas vezes a Caixa não consegue identificar os valores, alegando ¿inconsistência de dados¿, e pede o reenvio das informações.

¿ Nunca consegui emitir uma guia de geração de multa rescisória. É muito difícil regularizar uma pendência porque a Caixa exige que tudo seja feito na base antiga, mas o sistema muda todo dia, para pior ¿ reforçou Margarete Gamberaly, gerente do escritório Rosle Processamento Técnico e Contabilidade em Brasília.

Para o vice-presidente do Sindicato das Empresas de Contabilidade do Rio (Sescon), Hélio Donin, o sistema da Caixa poderia representar um avanço para empresas, contadores, sindicatos e trabalhadores se estivesse preparado para atender à demanda de três milhões de empresas (500 mil apenas no Rio):

¿ O sistema fica fora do ar várias vezes no dia, sem contar a lentidão.

O coordenador de homologações do Sindicato dos Comerciários do Rio, Fernando Antonio Neves, disse que a entidade consegue liberar pelo sistema até 15 rescisões por dia, de um total de 200 ¿ os sindicatos precisam consultar a conta para ver o comunicado de dispensa do empregador:

¿ O programa é experimental. Deixa a desejar. Depois das 10h30m, fica impossível acessar os dados.