Título: OBSTÁCULO NO COMBATE À DENGUE
Autor: Bernardo Mello Franco e Guilherme Freitas
Fonte: O Globo, 31/01/2006, Rio, p. 12

Por causa da violência, agentes não entram em favelas para combater focos de mosquito

Aviolência é a nova aliada do mosquito transmissor da dengue em favelas cariocas. Depois que agentes de controle de epidemia ficaram no meio de tiroteios, as visitas a algumas áreas de risco, como os morros do Dendê e Nossa Senhora das Graças, ambos na Ilha do Governador, foram suspensas. Em Vigário Geral, líderes comunitários reclamam que os profissionais se limitam a procurar focos no asfalto, sem entrar na favela desde 2004. O subsecretário de Saúde, Mauro Marzochi, admite que a violência tem prejudicado o combate aos focos de Aedes aegypti. Já foram notificados 428 casos de dengue na cidade desde janeiro, com uma morte confirmada.

¿ Quando há tiroteio durante uma visita, a primeira medida da secretaria é recolher os agentes de controle de vetores (responsáveis pelo combate ao Aedes aegypti). Ficamos até seis meses sem entrar em algumas favelas ¿ diz o subsecretário.

A presidente da Associação de Moradores do Morro do Dendê, Fernanda Araújo, teme um surto de dengue, já que os agentes não aparecem há mais de dois anos na favela, que tem caixas d¿água abertas e acúmulo de lixo, condições que ajudam na proliferação do mosquito. Segundo o supervisor-geral do controle de vetores na Ilha, Roberto Rabanaque, não há prazo para a retomada das inspeções:

¿ Não podemos botar nossos agentes no fogo cruzado ¿ justifica.

Ele conta que já precisou se esconder durante um tiroteio na Favela Nova Holanda, na Maré. Há três anos, um dos agentes que trabalhavam na Ilha teve o carro baleado enquanto inspecionava uma casa. O incidente é citado pelo supervisor como a gota d¿água para a suspensão das visitas ao Morro do Dendê.

O secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho, admite que a violência interfere no dia-a-dia dos agentes, mas diz que não há ordens para suspender as visitas.

¿ Em dias de situações de risco, não vamos às comunidades, como qualquer carro de entrega. Minha ordem é não submeter os servidores a risco. Suspensão temporária de visitas, desconheço.

Agentes adotam táticas de defesa

Nas favelas que continuam sendo visitadas, os agentes adotaram táticas para se prevenir da violência: chegam cedo e sobem em grupo para não serem confundidos com invasores. Segundo o relações-públicas da PM, tenente-coronel Aristeu Tavares, eles podem pedir ajuda.

¿ Se houver pedido oficial, podemos acompanhar agentes públicos em qualquer situação.

Segundo Marzochi, a única forma de contornar a insegurança é trabalhar em parceria com moradores. Líderes comunitários, no entanto, dizem que o diálogo não tem sido freqüente. Em dezembro de 2005, a Associação de Moradores do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, em Copacabana, marcou três reuniões com órgãos públicos para discutir problemas da área. O setor de controle de vetores só mandou representantes a uma.

¿ Eles prometeram inspeções para localizar focos, mas ainda estamos esperando ¿ diz a presidente da associação, Alzira Amaral, que não se lembra da última vez em que agentes estiveram na favela.

Em Vigário Geral, a ausência também é regra. Líderes comunitários contam que a última ação municipal de combate ao mosquito foi em setembro de 2004. Durante a campanha de reeleição do prefeito Cesar Maia, a favela de 40 mil habitantes recebeu duas visitas de carros-fumacê. A vice-presidente da associação local, Neide de Souza, fez quatro pedidos de inspeção ao setor de controle de vetores nos últimos cinco meses, mas não foi atendida. Segundo ela, os agentes só vão até a entrada da favela.

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