Título: APERTO FISCAL EXTRA DE R$11,3 BI
Autor: Patricia Duarte
Fonte: O Globo, 31/01/2006, Economia, p. 19

Economia para pagar juros atinge R$93,5 bi (4,84% do PIB), mas dívida vai a R$1 trilhão infra estrutural

Os governos e as empresas estatais brasileiras economizaram em 2005 para pagar juros da dívida pública R$93,5 bilhões ¿ o maior montante da história e o equivalente a 4,84% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas geradas pelo país). Foi o maior superávit primário desde 1994, quando ficou em 5,21%. A meta era de 4,25%. Com o esforço adicional, houve um aperto extra de R$11,3 bilhões nos gastos públicos para pagar o custo do endividamento, elevado devido às altas taxas de juros. Para se ter uma idéia, é praticamente a mesma quantia gasta ano passado com investimentos ¿ de infra-estrutura a obras em escolas ¿ já incluídos os restos a pagar (R$11,4 bilhões).

Porém, tamanho arrocho, criticado até no próprio governo, não foi suficiente para arcar com todos os gastos com juros em 2005, que somaram R$157,145 bilhões (8,13% do PIB), também recorde. Isso gerou um déficit nominal ¿ que inclui despesas com juros ¿ de R$63,641 bilhões (3,29% do PIB). Por isso, tampouco foi contido o avanço da dívida pública, que chegou a R$1,002 trilhão, quase 5% a mais que em 2004.

¿ A economia foi necessária, suficiente e fundamental para manter a relação dívida/PIB. O excesso resulta de gestão de despesa e maior arrecadação ¿ disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, ressaltando que esse indicador é muito observado pelo mercado.

Em 2005, a dívida líquida do setor público ficou em 51,6% do PIB, dentro da estimativa do BC, e foi a menor desde 2000 (48,8%). O número, que praticamente manteve o mesmo patamar de 2004 (51,7%), levou em consideração crescimento do PIB em 2,6% no ano passado, acima do que espera a média do mercado. O ideal é que esse percentual caia fortemente a cada ano ¿ mas a política monetária restritiva atua em sentido contrário.

Para o setor produtivo, que já esperava superávit primário elevado, todo esse esforço feito pelos governos não vale a pena justamente pela política de juros altos. O diretor do Departamento de Estudos Econômicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Francini, argumentou que essa economia acaba virando pó porque a dívida não deixou de crescer:

¿ E, por outro lado, não estamos vendo maiores investimentos, para a economia crescer de fato.

As empresas estatais e os governos estaduais e municipais contribuíram fortemente para o maior superávit fiscal, apresentando resultados recordes. As estatais, por exemplo, registraram saldo positivo de R$16,441 bilhões em 2005, 46% a mais que no ano anterior e equivalente a 0,85% do PIB. A Petrobras, historicamente, responde por boa parte dessas contribuições, reforçada ano passado por aumentos de produção e de preços de combustível. Já os municípios participaram com R$4,129 bilhões no superávit, três vezes mais que em 2004.

Para Lopes, do BC, o resultado vem sobretudo da aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):

¿ Formou-se a cultura muito forte de buscar ajuste fiscal.

CUT: Brasil deve investir mais em infra-estrutura e na educação

Para 2006, afirmou Lopes, a projeção do BC é que a relação dívida líquida/PIB recue para 50,3%, devido à expectativa de corte da taxa básica de juros (Selic) ¿ hoje em 17,25% ao ano ¿ para média de 15,81% anuais em 2006, além do câmbio encerrando o ano a R$2,39. A meta do superávit primário deste ano também é de 4,25% do PIB e é com esse número que o BC trabalha. Para especialistas, a projeção é factível porque esperam, além de juros menores, maiores gastos do governo neste ano eleitoral e arrecadação de impostos sem forte crescimento como o de 2005.

¿ Este ano de eleição é provável que tenha aumento maior nos gastos ¿ disse o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa.

Mesmo com a expectativa de que o governo não vai economizar tanto para pagar juros este ano ¿ estratégia que gerou forte embate entre os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) em 2005 ¿ sindicalistas ainda criticam o rumo da política econômica do presidente Lula. À frente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício defendeu que esses recursos sejam usados para aumentar investimentos, gerando emprego e renda:

¿ Esse dinheiro (do superávit primário) poderia ser mais bem utilizado. É muito para um país que carece desde mais infra-estrutura a educação.