Título: PACOTE EM CONSTRUÇÃO
Autor: Eliane Oliveira e Martha Beck
Fonte: O Globo, 01/02/2006, Economia, p. 19

Governo prepara incentivos ao setor de R$10 bi. Pastas de Dilma e Palocci divergem

Ogoverno prepara um megapacote de incentivos para a construção civil, que ultrapassa a cifra de R$10 bilhões. As medidas incluem a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para uma lista de produtos usados pelo setor; a redução do Imposto de Renda e contribuições sobre o lucro de empresas que construírem casas populares; e a aplicação, por bancos privados e pela Caixa Econômica Federal, de recursos da poupança da ordem de R$8,7 bilhões. O pacote deve ser anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de sua viagem à África, marcada para a próxima terça-feira.

Até ontem, a expectativa era que o presidente Lula batesse o martelo amanhã sobre pontos delicados do pacote. O presidente está particularmente interessado em agradar ao setor, que gera empregos, importa pouco e pode ajudar na expansão do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas no país) em 2006, ano eleitoral. Mas é grande o nível de divergências entre as áreas econômica e desenvolvimentista do governo. Se dependesse do Ministério da Fazenda, a desoneração de impostos ficaria para uma outra oportunidade. Seus técnicos afirmam que não há garantia de que os consumidores serão beneficiados, na ponta, com a renúncia fiscal.

Setor pede estímulo à formalidade

Entre as medidas que o governo estuda como forma de beneficiar o setor da construção civil está a redução da carga tributária que incide sobre os lucros das empresas. Segundo fontes do governo, a idéia é reduzir o Imposto de Renda e as contribuições como a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e PIS/Cofins ¿ que juntos têm alíquota de 7% ¿ sobre as receitas que as empresas obtêm quando constroem casas populares. Pode haver corte tanto da alíquota quanto da base de cálculo dos tributos.

Na parte de isenção do IPI, que sairá por decreto presidencial, uma fonte da área econômica explicou que os técnicos fazem uma seleção rigorosa dos produtos que terão o benefício. Entre os mais prováveis estão azulejo, vidro, tintas, vergalhões, cimento, esquadrias e louças. O Ministério da Fazenda defende que a medida tenha foco na população de baixa renda, enquanto os ministérios das Cidades (comandado por Márcio Fortes de Almeida), do Desenvolvimento (Luiz Fernando Furlan) e a Casa Civil (Dilma Rousseff) querem que o IPI zero não seja adotado com qualquer discriminação. O argumento é que o benefício vai ajudar, principalmente, as pessoas interessadas em fazer pequenos reparos e benfeitorias em suas residências.

Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo, João Claudio Robusti, a desoneração de uma série de produtos do IPI vai permitir a redução dos custos da construção habitacional. Ele alertou, entretanto, para a necessidade de se estimular o mercado formal, e não a informalidade:

¿ Se esse cuidado de direcionar o estímulo para o segmento formal da construção não for tomado, cada vez mais a atividade do setor será informal, principalmente na habitação popular. Desse jeito, continuaremos estimulando a edificação de construções precárias, em vez de contribuir decisivamente para a erradicação do déficit habitacional por meio de políticas públicas bem formuladas.

Já os R$8,7 bilhões em recursos para financiamento habitacional são fruto de acordo entre os bancos privados e a Caixa, aprovado na semana passada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O dinheiro sairá da poupança e será superior aos R$4,9 bilhões liberados no ano passado.

O presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), José Geraldo Tardin, tem uma visão crítica a respeito dos financiamentos para o setor:

¿ O governo pode estar fazendo do déficit habitacional brasileiro, de 7,2 milhões de unidades, um palanque eleitoral. É preciso cuidado para não iludir as pessoas com o sonho da casa própria, passando a imagem de que é muito fácil comprar um imóvel sem vínculo com a renda do mutuário e, no final, a casa ser retomada.

Também fará parte do pacote uma medida provisória destinando R$550 milhões ao Fundo de Habitação e Interesse Social. É o que falta para regulamentar a Lei 11.124, sancionada no ano passado pelo presidente Lula, que criou o Sistema Nacional de Habitação e Interesse Social. O fundo terá R$1 bilhão e funcionará interligado com estados e municípios.

¿ O valor previsto na MP é infinitamente menor do que esperamos. Mas é um começo ¿ disse o presidente da Câmara Brasileira da Construção Civil, Paulo Safady.

Fazenda vê falhas no projeto

A queda-de-braço dentro do governo ganhou força esta semana. Os técnicos da área econômica passaram a municiar o ministro Antonio Palocci com uma série considerável de argumentos contrários ao pacote. Por essa razão, revelou um ministro de Estado, o conjunto de medidas ainda não está totalmente formatado.

No Ministério da Fazenda, técnicos argumentam que só a isenção do IPI sobre cimento resultaria numa renúncia de R$500 milhões por ano. Se fosse zerado o PIS/Cofins para bens de capital, deixariam de entrar nos cofres públicos cerca de R$4 bilhões. Mas, a medida teria impacto maior na geração de empregos e investimentos.

Os incentivos para o setor de construção civil estavam previstos no esboço de uma medida provisória ¿ a chamada MP do Bem 2 ¿ que também prevê a ampliação do número de itens da cesta básica isentos de impostos como o PIS/Cofins e o IPI. Mas o tema habitacional ganhou força há duas semanas, quando Lula, durante um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, disse que o setor seria um dos beneficiados na nova diretriz do governo, que é unir o social ao econômico.

COLABOROU Cristiane Jungblut