Título: UMA BÊNÇÃO DISFARÇADA
Autor:
Fonte: O Globo, 01/02/2006, O Mundo, p. 26

O Irã está exercitando os seus músculos, e músculos não lhe falta. O país tem a segunda maior reserva mundial de petróleo numa época em que, a curto prazo, os suprimentos estão apertados, e a longo, vão se tornar mais apertados ainda. Se ele quer iniciar uma briga com o Ocidente, não é uma época ruim. Então, deveríamos nos preocupar com as conseqüências e, nesse caso, o que deveríamos fazer?

O Irã pode ter imensas reservas de petróleo, mais de 11% das reservas mundiais, vindo atrás apenas da Arábia Saudita. Tem mais do que EUA e Rússia juntos, mas perde em produção: corresponde a apenas 5% da produção mundial, menos do que o Reino Unido e a Noruega produzem no Mar do Norte. Como o suprimento global está sendo esticado atualmente, os 5% importam. É por isso que a recente tensão em relação ao programa nuclear iraniano levou os preços do petróleo a novas altas.

Por outro lado, enquanto o Irã é um gigante no mundo do petróleo, é um peixe pequeno na economia mundial como um todo. Se riscar a produção de petróleo, terá um PIB do tamanho de Surrey (cidade britânica). Falta ao Irã a tecnologia não apenas para desenvolver a sua capacidade nuclear, mas para extrair o melhor de seus recursos petrolíferos.

Então, num determinado nível, o Irã é muito importante: suas reservas de petróleo são imensas. Mas em dois outros, quase não importa: sua economia é pequena e sua tecnologia é fraca.

Num mundo racional esta seria a base para uma amizade maravilhosa: o Ocidente tem a demanda e a tecnologia, enquanto o Irã tem os recursos. Poderíamos andar juntos, usando o tempo ganho para desenvolver o sucessor para uma economia global livre do petróleo. Mas a realidade é diferente. O Irã é um parceiro difícil, enquanto o mundo desenvolvido está cada vez mais alarmado e por isso pode agir de forma irracional.

Há um terceiro parceiro na relação: a crescente importância de consumidores de petróleo não-ocidentais. A China é o segundo maior consumidor de petróleo depois dos EUA, enquanto a Índia é o sexto. China e Índia tentam assegurar seus suprimentos de energia e tentam cimentar a relação com qualquer produtor que esteja tendo dificuldades locais com países desenvolvidos.

Não faz sentido para economias ocidentais, sofisticadas, confiar sua mais valiosa forma de energia a partes do mundo que são instáveis. A Rússia fez um grande favor à Europa Ocidental ao cortar o suprimento de gás para a Ucrânia e liderar uma grande reavaliação das necessidades energéticas da região. O grito do Irã pode ter o mesmo efeito, não apenas na Europa, mas também nos EUA. A necessidade de independência energética tem sido um dos temas mais consistentes de Bush.

Bill Clinton indicou recentemente que se os EUA adotassem melhores práticas globais de energia iriam cortar grande parte de sua necessidade energética. Sabemos que política não reduz o consumo de energia nos EUA; dê um tiro no mercado. Ao mesmo tempo, energia cara irá persuadir a China a adotar boas práticas energéticas. Em termos práticos, o mercado é a nossa melhor esperança.

Acho que deveríamos receber bem qualquer grito do Irã e qualquer rosnar da Rússia. Qualquer lembrança de que é intolerável depender deles para o suprimento energético do mundo será música para os nossos ouvidos.

HAMISH MCRAE é colunista do Independent