Título: CONSENSO CONTRA O IRÃ
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Fonte: O Globo, 01/02/2006, O Mundo, p. 26

Membros permanentes do Conselho de Segurança se unem contra programa nuclear do país

VIENA, TEERÃ e LONDRES

Numa escalada sem precedentes na crise diplomática envolvendo o programa nuclear do Irã, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU ¿ Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido ¿ decidiram defender conjuntamente que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) envie para o conselho o relatório que será divulgado amanhã sobre o país. A decisão dos cinco países motivou uma forte reação de Teerã, que ameaçou reiniciar seu programa atômico e cancelar qualquer negociação diplomática.

Porém, enquanto autoridades iranianas protestavam contra o inédito consenso entre os três países ocidentais do conselho e Rússia e China ¿ até então aliados de Teerã ¿ vazou para a imprensa um documento da AIEA que afirma que o Irã conseguiu planos que descrevem como montar uma ogiva nuclear.

¿ No caso de qualquer referência ou relatório para o Conselho (de Segurança da ONU), estaremos obrigados a levantar todas as suspensões voluntárias (de enriquecimento de urânio) e interromper a implementação do protocolo adicional devido a uma lei aprovada pelo Parlamento ¿ disse Ali Larijani, chefe das negociações nucleares do Irã. ¿ Um relatório enviado para o conselho será o fim da diplomacia.

A situação do país, no entanto, agravou-se com informações que vazaram para a imprensa e que constarão do relatório de amanhã. Foi encontrado no país por inspetores da agência um documento de 15 páginas ¿ aparentemente conseguido no mercado negro nuclear criado pelo cientista que criou a bomba atômica do Paquistão, Abdul Khan ¿ que descreveria o processo de fabricação de uma ogiva nuclear.

No relatório da AIEA, afirma-se que o documento é ¿relacionado com a fabricação de armas nucleares¿, mas uma fonte foi mais específica:

¿ As instruções só têm um propósito: fabricar armas nucleares.

Blair ressalta união entre os países

Além de ameaçar com o recomeço do processo de enriquecimento de urânio, Teerã também usou argumentos que preocuparam setores de segurança de países ocidentais.

¿ Se estes países usarem todos os seus meios para nos pressionar, o Irã usará sua capacidade (de agir) na região ¿ disse Larijani.

Ele não esclareceu a que tipo de capacidade se referia. Especialistas dizem que o Irã, com suas ligações com partidos islâmicos e grupos radicais, poderia provocar reações violentas em países como Iraque, Líbano e nos territórios palestinos, por exemplo.

Rússia e China, tradicionais aliados do Irã na AIEA, concordaram, por motivos não revelados, com a proposta de EUA, França e Reino Unido, e que teve apoio também de Alemanha e União Européia. Porém resistiram à idéia de tornar o envio de um relatório um gesto oficial. A forma encontrada pelos cinco países foi tornar o envio apenas um comunicado, o que afastaria a possibilidade da adoção de sanções contra o Irã imediatamente.

Oficialmente, o conselho só analisará a questão depois que o diretor da AIEA, Mohammed ElBaradei, redigir o relatório final na data que já fora marcada, 6 de março. Isso daria tempo para o Irã reconsiderar sua posição.

A reunião dos cinco países ocorreu em Londres. O premier britânico, Tony Blair, declarou ter ficado satisfeito com o acordo.

¿ Espero que isso (o consenso entre os cinco membros permanentes do conselho) envie uma mensagem de que a comunidade internacional está unida ¿ disse ele, numa declaração aparentemente pensada para marcar a diferença da atual coalizão diplomática e a ação unilateral britânica e americana na invasão do Iraque.

A diretoria da AIEA tem a participação de 35 países, inclusive do Brasil. Até agora, só Venezuela e Síria anunciaram que votarão contra a proposta dos cinco países. Mas acredita-se que a medida seja aprovada por uma confortável maioria.

O Irã é um país signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), mas apenas assinou, sem ratificar, o protocolo adicional, que permite a realização de inspeções mais aprofundadas e de surpresa.