Título: Jobim rejeita patrulha e dá nova liminar contra CPI
Autor: Alan Gripp e Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 02/02/2006, O País, p. 3

Presidente do STF impede quebra de sigilo de empresário

Às vésperas de deixar em março o Supremo Tribunal Federal (STF), antecipando em três meses o fim de seu mandato como presidente da Corte e se aposentando ainda a tempo de ser candidato nas eleições de outubro, o ministro Nelson Jobim concedeu ontem mais uma liminar contra a CPI dos Bingos, que investiga pessoas próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de impedir que a CPI tenha acesso aos dados do sigilo telefônico, bancário e fiscal do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, amigo de Lula, desta vez Jobim concedeu uma liminar ao empresário Roberto Carlos Kurzweil, também impedindo a quebra de seu sigilo.

Kurzweil é dono da loja que alugou o carro em que dois ex-assessores do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, levaram de Campinas para São Paulo três caixas de uísque supostamente contendo dólares de Cuba para a campanha do PT em 2002. É investigado ainda porque teria intermediado uma doação não declarada de R$1 milhão de empresários de bingo ao PT.

A nova decisão aumentou o tom das críticas de senadores ao presidente do STF, que é cotado para ser candidato do PMDB à Presidência, embora negue a pré-candidatura.

Discurso em inédito tom de campanha

Ontem, na solenidade de abertura dos trabalhos do Judiciário em 2006, Jobim aproveitou para se defender dos ataques à sua decisão a favor de Okamotto. Afirmou que o Supremo não se curva a patrulhamentos da opinião pública ou de poderosos. E também criticou ¿investigações ilimitadas e intermináveis¿, sem fazer referência direta ao trabalho das CPIs.

¿ A experiência indica que decidir contra a suposta vontade da maioria, da opinião pública, significa exposição a iras de alguns poderosos. Significa exposição a toda sorte de ilações conspiratórias e, aqui, muito conhecidas e injustas. Esquecem que o Supremo nunca se curvou e não irá se curvar a patrulhamentos de nenhum tipo, públicos ou privados. Repudiam-se as decisões do Supremo que garantem as liberdades, tudo em nome da segurança, da repressão ao crime, do combate à corrupção ¿ protestou Jobim, que discursava ao lado de Lula.

Apesar de não ter falado o termo CPI, Jobim constrangeu os parlamentares presentes ao evento. Ele comparou a situação à dos Estados Unidos, em que o combate ao terrorismo justificaria o desrespeito aos direitos individuais, e disse que, no Brasil, isso se faz em nome do clamor público.

¿ Investigações ilimitadas e intermináveis, investigações que acabam se tornando fim em si mesmo, inquisições, exposições públicas, invasões à privacidade e presunções absolutas de culpa constituem retrocesso com o qual o Judiciário não pode compactuar.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que estava ao lado de Jobim, mudou de semblante e demonstrou surpresa com a declaração. O presidente do STF também afirmou que é tarefa dos tribunais prezar pela governabilidade, independentemente de qual partido integre o governo.

Em alguns trechos do discurso, Jobim usou um tom típico de candidato, distante do formalismo da Corte. Chamou o povo de ¿brava gente brasileira¿, expressão inusual em suas declarações públicas, normalmente recheadas de termos jurídicos, e que não costuma ser ouvida de seus pares.

No pronunciamento, Jobim anunciou oficialmente que sua participação nas atividades do STF se aproxima do fim. Em outras ocasiões, ele admitiu a intenção de deixar a magistratura para participar mais ativamente do processo eleitoral, provavelmente como filiado do PMDB. Seu mandato de dois anos termina apenas em julho, mas ele já comunicou até ao presidente Lula que pretende sair em março. Oficialmente, explicou que antecipar o fim do seu mandato será melhor para a gestão do orçamento do STF. Jobim quer permitir aos novos presidentes do STF ¿ a próxima será Ellen Gracie ¿ negociar e encaminhar ao Executivo o seu orçamento, o que ocorre em abril. Caso deixe o STF em março, Nelson Jobim terá direito a aposentadoria integral.

A assessoria do STF informou que o ministro já soma tempo suficiente para se aposentar e receber como benefício seus vencimentos integrais, de R$24.500. Para disputar a eleição, qualquer que seja o cargo, Jobim terá de se aposentar até abril para se filiar a partido político.

O presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), disse ontem que Jobim deveria se inscrever nas prévias do partido se pretender disputar as eleições para a Presidência. Mas parlamentares que conversaram com Jobim nas últimas semanas dizem que ele não será candidato nem disputará às prévias do PMDB.

Peres: ¿Jobim passou de todos os limites¿

Sobre a liminar concedida a Kurzweil, Jobim argumentou que a CPI dos Bingos não enviou ao tribunal as informações pedidas nos dias 29 de dezembro e 6 de janeiro em dois ofícios enviados ao Congresso pela ministra Ellen Gracie. O presidente da CPI, senador Efraim Morais (PFL-PB) admitiu o erro, mas pediu uma audiência com o presidente do STF, marcada para a manhã da próxima terça-feira, para tentar mudar as decisões:

¿ Vou dizer ao ministro que essas informações são vitais para as nossas investigações. Não tenho como provar que ele está atrapalhando, mas ajudando não está.

Na decisão favorável a Okamotto, Jobim argumentou que o pedido da quebra de sigilo extrapolava o fato para qual a CPI foi criada, a investigação dos bingos. Kurzweil já havia obtido vitória no STF usando este argumento, mas a CPI aprovou novo requerimento para ter acesso aos dados. O depoimento do empresário, marcado para ontem, foi adiado para terça-feira.

¿ Jobim passou de todos os limites. Okamotto contou uma história na qual nem criancinha acredita e o Jobim não quer que o Senado investigue isso ¿ criticou o senador Jefferson Peres (PDT-AM).

www.oglobo.com.br/pais