Título: RECEITA DE JURO BAIXO
Autor: CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Fonte: O Globo, 02/02/2006, Opiniao, p. 7

De qualquer lado que se observe, os juros são muito elevados no Brasil. Considerada a taxa básica do Banco Central, de 17,25% ao ano, os juros reais, descontada a inflação esperada, batem em 11,5%. Isso é simplesmente o dobro do que se pratica na Turquia, que tem a segunda taxa mais alta entre os 25 principais países emergentes. Os indicadores da Turquia relativos às contas públicas e externas são piores que os brasileiros. Como eles, turcos, conseguem ter juros menores e crescer mais, com inflação só um pouco mais alta, está claro que algo de muito errado ocorre por aqui.

Culpados? Três são os principais suspeitos.

O primeiro é o Banco Central, alvo de dois tipos de crítica. Um lado simplesmente considera que os diretores do BC são um bando de imbecis, sócios dos especuladores.

Não são. Ao contrário, são economistas competentes e bem intencionados. Baseiam-se em teorias e cálculos segundo os quais o Brasil não pode crescer mais aceleradamente porque senão cai na inflação. Por isso, o juro real deve ficar no patamar dos 10%, para segurar crescimento e inflação.

Essa análise está equivocada, dizem economistas de outras vertentes, como Delfim Netto e José Alexandre Scheinkman. Além de levantarem dúvidas sobre a qualidade das bases teóricas, esses críticos sustentam que o BC atribui peso excessivo à teoria. Para eles a gestão de política monetária é parte ciência, parte bom senso e arte.

Scheinkman, da Universidade de Princeton, faz duas observações interessantes. Na primeira, cita o exemplo de Alan Greenspan, que se recusou a elevar a taxa de juros quando os Estados Unidos engataram a fase de crescimento acelerado, nos anos 90. Pela teoria da hora, aquela expansão era incompatível com inflação baixa. Mas Greenspan intuiu que a tecnologia da informação havia aumentado a produtividade geral da economia, de modo que era possível produzir mais com o mesmo capital e os mesmos trabalhadores. Portanto, com preços menores, sem inflação.

Acertou na mosca.

Ora, diz Scheinkman, os países emergentes, hoje, crescem mais depressa que o Brasil e com inflação menor. Talvez os modelos tenham mudado, como mudaram nos EUA. Assim, para ele, o BC brasileiro deveria arriscar e topar um ritmo de crescimento mais forte por um período mais longo, confiando que as pressões inflacionárias cederão.

Por essa visão, a taxa básica de juros poderia ser mais baixa que a atual e não precisaria ter subido tanto nos últimos meses, o que teria propiciado mais crescimento no ano passado e neste.

Quanto exatamente? Isso não se diz, porque depende da prática, de tentativas. De todo modo, nada espetacular. Os juros seriam dois ou três pontos menores, o crescimento, um ou dois pontos maior. Refresca, mas não resolve. Para embalar de verdade, o país precisa de juros reais na casa de 5% ao ano. O que falta para isso? E aqui aparecem dois outros suspeito: o governo e o ambiente institucional.

Tirante os economistas de uma esquerda antiga, para os quais tudo se resolve com gasto público e controle do mercado, forma-se um amplo entendimento no Brasil de que o governo gasta demais, gasta mal (muito com custeio, quase nada com investimentos) e tem uma tendência fatal de ampliar as despesas ruins. Atenção: o governo gasta muito antes de pagar os juros, de modo que, mesmo dando calote na dívida, o problema continuaria.

O setor público gasta 40% do Produto Interno Bruto e nisso o Brasil é muito diferente dos outros emergentes, que não chegam a 30%.

A primeira conseqüência é que o governo brasileiro precisa tomar mais recursos do setor privado, via impostos cada vez maiores. A segunda é que precisa pagar juros maiores.

Isso tudo se soma ao terceiro culpado: o ambiente institucional. Parece vago, mas não é. Trata-se do conjunto de leis, normas e práticas, inclusive do judiciário, que tornam difícil investir, fazer negócios e ganhar dinheiro no Brasil. Isso aumenta o risco dos empreendimentos, atrapalha a concessão de crédito, eleva os juros.

Tudo considerado, eis a receita para os juros baixos: mais abertura do BC, forte programa de redução do gasto público e reformas microeconômicas. Difícil de fazer? Claro, mas muitos outros países fizeram.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. Email: sardenberg@cbn.com.br.