Título: A ENCRUZILHADA DO PSDB
Autor: MÁRCIO FORTES
Fonte: O Globo, 02/02/2006, Opiniao, p. 7

Agrande questão política, no momento, é a sucessão presidencial e a de que nomes serão capazes de derrotar Lula nas urnas. Na seqüência, surge a dúvida sobre quem será o candidato do PSDB: Serra ou Alckmin? Debate interno de um partido político que se torna a mais importante questão nacional, tendo em vista a qualidade dos dois nomes e a gravidade do momento que vivemos.

Há dois aspectos a observar. O primeiro é a perspectiva de desempenho eleitoral porque sabemos que é imprescindível derrotar Lula. O que não parecia tão vital, há um ano, se tornou imperativo, diante de tudo que aconteceu em 2005. Não fossem a grave questão gerencial do país e as dúvidas sobre o próprio desempenho da economia brasileira, bastariam os problemas comportamentais e éticos que conduziram às numerosas substituições no governo e no PT e às investigações para descartarmos, por princípio, a continuidade do atual presidente.

Nessa perspectiva, as pesquisas até hoje feitas apontam a vitória inquestionável do candidato José Serra. Não são as últimas nem serão as únicas que orientarão a decisão do nosso partido. Sim, porque pesquisas quantitativas associadas a análises de grupos de avaliação de qualidade indicarão, com certeza, não só a notável retenção de imagem de que dispõe Serra, como a visão presente do desempenho dos atuais concorrentes e as perspectivas de desenvolvimento após as campanhas eleitorais.

Não posso considerar como impedimento o compromisso assumido por Serra de que concluiria o mandato, no calor da campanha para a prefeitura de São Paulo, compelido por um ato teatral de um jornalista. Se assim fosse não estaríamos discutindo o nome. O candidato seria Alckmin e o assunto estaria encerrado. Ora, quando Serra assinou aquele papel, respondia a uma campanha do PT que tinha como objetivo garantir mais um ano e três meses de mandato para Marta Suplicy. Se o ardil petista tivesse sido bem-sucedido, seria ela, é claro, a deixar a prefeitura para disputar o governo do estado. Curiosamente, não se exigiu de Marta semelhante compromisso.

Esse episódio não pode servir de balizamento para a decisão do PSDB também porque, e mais importante, aconteceu na política brasileira um inesperado tsunami, devastador, em repetidas ondas que ainda não cessaram. O contexto da assinatura do documento por Serra não mais existe. Da mesma forma como não existiu para o ministro Palocci, que prometeu concluir seu mandato como prefeito de Ribeirão Preto e não o fez.

O segundo aspecto dessa questão é indiscutível: os méritos dos nossos pré-candidatos, como capacidade de liderança, experiência de administração pública, tradição política, honestidade, competência e qualidades ideológicas. Alckmin, se escolhido, será uma bela alternativa. Entretanto, o país precisa de um grande estadista. Não podemos continuar sendo o paraíso das palavras ao vento, da retórica vazia que faz rodar os moinhos de Lula, de Palocci. A economia não caminha para lugar algum. A infra-estrutura está paralisada. Basta observar a queda na produção de cimento, indicador relevante do nível de atividade.

Nos últimos três anos, não se realizou uma única reforma importante da Constituição de 1988. Os brasileiros são usurpados de quase 40% daquilo que produzem. Arrecada-se muito e gasta-se mal. Estamos conformados a crescer a metade do que cresce o mundo e a América Latina e um terço do que crescem os países emergentes. O país bate cabeça nos fóruns multilaterais; vive impasses no Mercosul e na Alca; perde-se numa retórica entre oca e autonomista, sem estratégia ou plano de longo prazo; o superávit primário, inédito, é de má qualidade, conseguido à custa de um sistema tributário que beira à prática confiscatória, com serviços públicos que nem remotamente compensam o que a máquina do governo, com gastos crescentes, arranca da sociedade.

O emprego, por causa do baixo crescimento, está muito atrás do que exige a sociedade; nossa política macroeconômica, dita ¿responsável¿, a um só tempo usa os juros para conter a inflação e o consumo e estimula mecanismos de crédito que estimulam... o consumo e a inflação; o país está à espera de uma reforma trabalhista que possa desonerar a formalização do trabalho; a Previdência, quebrada de novo, pede uma nova rodada de reformas que não pode estar descolada de um planejamento mais amplo da economia.

Não é verdade que o país demande apenas um choque gerencial, como se fosse uma empresa em que todas as condições estruturais estejam dadas, só faltando um pouco mais de competência e de bom senso. O desafio é muito maior.

Esse é o debate que tem de ser feito. E não é pequeno o trauma pelo qual pode passar o país com a derrota do PT. Para muita gente, o mito do partido como última salvação vai se desfazer sim, o que não quer dizer que tanta disposição para a crença vá escolher o caminho da racionalidade. Como disse Reinaldo Azevedo, no site Primeira Leitura.

MÁRCIO FORTES é deputado federal (PSDB-RJ).