Título: A bruxa volta
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 03/02/2006, O GLOBO, p. 2

O espectro da crise, com suas febres e convulsões, deu um tempo no início do ano mas está de volta. E agora atazana também a oposição, que se viu na obrigação de defender a convocação, pela CPI dos Correios, de Dimas Toledo, suposto operador de um caixa dois tucano-pefelista em Furnas. E agora traz o Judiciário para a arena de luta, pondo sob ataque o presidente do STF, ministro Nelson Jobim.

Governo e PT desfrutam de uma brisa mas ainda não estão livres da chibata. O contrapeso à convocação de Toledo é a volta de Duda Mendonça à CPI. Se os parlamentares que estão nos EUA provarem a existência de novas e robustas contas no exterior (que ele negou ontem em depoimento à Polícia Federal), pode voltar à CPI não mais no papel de bom moço e colaborador. Será um homem acuado disposto a detonar antigos parceiros.

A oposição, que já enfrenta o dilema da escolha do candidato tucano a presidente, agora se depara com um infortúnio moral, apesar dos fortes indícios de falsificação da chamada ¿lista de Dimas¿, da qual constam nomes de PSDB, PFL, PTB e PP, partidos governistas na era tucana. Ela circula no meio político há alguns meses, por obra do lobista Nilton Monteiro, acusado de tê-la elaborado e atribuído a Dimas para chantagear políticos. Agora, recebeu o bafo venenoso de Roberto Jefferson, que admitiu à Polícia Federal ter recebido R$75 mil do esquema. Não acusou os outros mas deu veracidade a um documento que, por sua inconsistência, nem o PT tentou usar contra os adversários. Que por se tratar de mera fotocópia, não pode ser periciado. A lista levanta dúvidas também por sua abrangência, por beneficiar tantos políticos, de diferentes partidos, grupos e estados. No documento aparece a expressão ¿recursos não contabilizados¿, que foi cunhada por Delúbio Soares apenas em 2005, no estouro do caixa dois petista. Da mesma forma, algumas figuras políticas aparecem com títulos que só iriam conquistar na eleição daquele ano de 2002. Um ainda não era governador, outro ainda não se tornara senador. Apesar destas fragilidades, a oposição não terá outra saída senão concordar com a convocação de Dimas. Já tendo cometido o fiasco de trocar um membro do Conselho de Ética para tentar salvar o deputado Roberto Brant, o PSDB não deve novamente imitar o PT nas arte das manobras. E com isso, a CPI e a crise vão se arrastar.

Os ataques ao presidente da mais alta Corte são a nota nova. Os senadores que o criticam por ter concedido duas liminares contra quebras de sigilo pedidas pela CPI dos Bingos se esquecem de que a comissão só foi instalada por um ato do STF. Não acharam que era ingerência. Agora acham que Jobim está protegendo o PT. Se o plenário do STF confirmar suas liminares, considerando que a CPI tem ido além do fato determinado que justificou sua criação (Bingos, Waldomiro e fatos conexos), os senadores estarão partindo para o confronto entre poderes, se insistirem na contestação. O PT evitaria mas este estertor da crise se desse esclarecimentos sobre o suposto empréstimo a Lula, que Okamotto teria liquidado. Se adiantamentos para viagens e outras despesas (em 2002, quando Lula era funcionário do PT) foram lançados como empréstimo na contabilidade, deve existir alguém que testemunhe isso. Desafiado pela interpelação judicial de alguns juristas, Jobim teve ontem até sua renúncia pedida pelo deputado Roberto Freire. Isso também é sucessão. Ele não virou alvo por causa das liminares, mas porque passou a ser cogitado como candidato (ora a vice de Lula, ora a presidente mesmo). Mas a lei tem boa parte da culpa. Não deveria exigir apenas seis meses de filiação partidária aos juízes quando exige um ano dos demais mortais.