Título: ACERTO OPÕE ITAMARATY A PALOCCI E FURLAN
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 03/02/2006, Economia, p. 21

Decisão de Lula foi política e, em troca, país vizinho poderia apoiar o Brasil na ONU

BRASÍLIA. O descontentamento com o Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), acertado anteontem por Brasil e Argentina, não atinge apenas parte do setor privado brasileiro. No governo, ficou evidente que a decisão tomada pelo presidente Lula foi eminentemente política, e não técnica. Se fosse escolhido o segundo critério, as salvaguardas não passariam, pois são consideradas, nos bastidores, um retrocesso pelos ministérios do Desenvolvimento, da Fazenda e uma ala do Itamaraty.

Entre os ministros contrários à instituição do mecanismo, estavam Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, e Antonio Palocci, da Fazenda. Os dois conseguiram, pelo menos, que fosse incluído no acordo um artigo que impede os argentinos de desviarem suas importações para terceiros mercados. Por exemplo, se forem estabelecidas cotas de importação para calçados, dentro do MAC, a Argentina não poderá aproveitar a restrição imposta ao Brasil e passar a comprar mais da China.

`Mercosul está em um ritmo de enfraquecimento crescente¿

Entre os defensores da medida, destacou-se o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, além do chanceler Celso Amorim, segundo revelou uma graduada fonte do governo. O presidente Lula acabou se convencendo de que, com o mecanismo, seria possível minimizar as divergências com a Argentina em diversas áreas. O que se espera em troca, acrescentou essa fonte, é uma posição mais próxima dos argentinos aos brasileiros em relação a temas considerados prioritários na política externa do Brasil, como a conquista de uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. A Argentina sempre foi contra a candidatura brasileira.

Além disso, também se espera comprometimento político do governo Kirchner com a integração sul-americana, uma das plataformas da política externa brasileira.

Aqueles que não concordavam com as salvaguardas para a Argentina alertavam para o risco de, insatisfeitos com o tratamento que vêm recebendo dos sócios maiores, Uruguai e Paraguai pedirem a mesma coisa. Além disso, argumentavam, um passo atrás seria um sinal ruim para os parceiros internacionais.

¿ O Mercosul está em um ritmo de enfraquecimento crescente. As salvaguardas são, sim, um retrocesso numa zona de livre comércio incompleta ¿ disse Marcos Jank, do Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

A possibilidade de o Brasil estender a aplicação de salvaguardas a Uruguai e Paraguai poderá intensificar divergências internas, reconhecem técnicos de comércio exterior do governo. Por isso, antes de dizer sim a paraguaios e uruguaios, as autoridades brasileiras devem oferecer benefícios como realizar obras de infra-estrutura naqueles países, envolvendo o Brasil, e a participação deles em compras governamentais brasileiras.