Título: `Acho que temos o direito de chocar¿
Autor:
Fonte: O Globo, 03/02/2006, O Mundo, p. 26

PARIS. Robert Ménard, secretário-geral da organização Repórteres sem Fronteiras, faz um apelo à calma. Em entrevista ao GLOBO, ele defende a liberdade de imprensa mas diz que é preciso ponderar sobre a publicação das charges.

O senhor acha que o jornal dinamarquês que publicou as caricaturas e os que as reproduziram incorreram numa provocação?

ROBERT MÉNARD: Não acho que seja provocação. Entendo que isso tenha chocado os muçulmanos, mas acho que temos o direito de chocar. Isso é a liberdade de imprensa. Essa liberdade tem dois limites, quando incita a violência, que não foi o caso, e no caso de ataques difamadores a uma pessoa, o que também não foi. Evidentemente, nos surpreendeu a violência da reação. Mas é hora de acalmar e parar de reproduzir as charges, para evitar que a violência verbal se transforme em física.

O que aconselha, então?

MÉNARD: Continuar a publicar não vai fazer avançar o debate. Pode acabar produzindo uma verdadeira violência.

Que lição a imprensa deve tirar deste episódio?

MÉNARD: Tiramos várias lições. Primeiro, vemos até que ponto a concepção que temos em alguns países de liberdade de imprensa é estranha a outros países de tradição religiosa. Há um fosso na percepção global entre o que os muçulmanos e ocidentais acham que pode ser dito. Na Europa, e na França, em particular, brincamos e fazemos gracinha com o catolicismo há anos. E ninguém se choca. As pessoas podem dizer que não gostaram, mas a discussão não vai além disso. Mas isso é diferente no mundo muçulmano. A segunda lição é que quase não ouvimos nessa crise as vozes dos muçulmanos moderados. A terceira lição é que a crise mostra que precisamos debater. Não conseguimos mais debater. Hoje não há debate, há insultos.

Há cinco milhões de muçulmanos na França e o ¿Le Monde¿ publicou uma caricatura de Maomé, em nome da liberdade de imprensa e em apoio ao jornal dinamarquês. O que acha?

MÉNARD: Fez bem. Porque o ¿Le Monde¿ não reproduziu as caricaturas (do jornal dinamarquês) e evitou o que poderia parecer uma provocação. Optou por publicar o ponto de vista dos caricaturistas. É preciso reafirmar a liberdade de expressão, essencial na democracia.

Então, é preciso bom senso?

MÉNARD: Sim, é preciso um pouco de bom senso: não apontar o dedo contra todos os muçulmanos. É preciso achar um meio de discutir com algumas pessoas (muçulmanas). Há governos com os quais não podemos discutir. Como Arábia Saudita ou Líbia podem nos dar lições sobre o que devemos fazer, logo eles que calam sua própria imprensa e prendem seus jornalistas? Não aceitamos lição deles.