Título: Ira muçulmana contra a Europa
Autor:
Fonte: O Globo, 03/02/2006, O Mundo, p. 26

Reações violentas a charges de Maomé acirram debate sobre liberdade de expressão

COPENHAGUE

Acrise provocada pela publicação de charges com a imagem de Maomé aumentou ontem, com protestos de vários governos de países islâmicos, manifestações violentas de radicais e uma onda de solidariedade de jornais europeus, que estão republicando os desenhos. ONU, Unesco, União Européia (UE) e organizações de jornalistas entraram num debate que envolve temas como liberdade de imprensa, denúncias de intolerância e racismo contra o Islã e a demissão de jornalistas de diários de França e Jordânia.

Houve manifestações de grupos religiosos em Síria, Tunísia e Paquistão e boicotes contra produtos da Dinamarca, Noruega e França. As ações mais violentas ocorreram nos territórios palestinos. Em Gaza, 12 integrantes armados de Jihad Islâmica e Brigadas de Mártires de al-Aqsa fecharam o escritório da UE, dizendo que só permitiriam a reabertura após um pedido de perdão. As Brigadas ameaçaram seqüestrar europeus e um alemão permeneceu por alguns minutos em poder de milicianos.

A Líbia fechou sua embaixada na Dinamarca e Arábia Saudita e Síria chamaram seus embaixadores de volta. Ontem, chefes de governo de países islâmicos protestaram, como o afegão Hamid Karzai:

¿ Um insulto ao santo profeta é um insulto a mais de um bilhão de muçulmanos e um ato como este jamais deve ter a permissão de se repetir.

O presidente do Egito, Hosni Mubarak, disse que o Ocidente deve estar ciente de que publicar as charges pode provocar terrorismo e o premier da Turquia, Tayyip Erdogan ¿ cujo país tenta entrar na UE ¿, disse que a liberdade de imprensa deve ter limites.

As críticas foram rechaçadas pelo ministro do Interior da França, Nicolas Sarkozy:

¿ Devemos defender a liberdade de expressão e, se tiver que escolher, prefiro o excesso de caricatura ao excesso de censura.

Islã proíbe imagens de profeta Maomé

O premier dinamarquês, Anders Rasmussen, disse que o caso foi além de uma disputa entre seu país e o mundo islâmico. Agora é entre ¿a liberdade de expressão ocidental e os tabus do Islã.¿ Ele convocou para hoje uma reunião com todos os embaixadores.

A confusão começou quando o maior jornal da Dinamarca, o ¿Jyllands-Posten¿, publicou, em setembro, 12 charges de Maomé. Elas ilustravam uma reportagem sobre autocensura e liberdade de expressão, citando o caso em que um autor de livro infantil sobre Maomé não conseguiu encontrar desenhistas que se dispusessem a retratar o profeta do Islã. Na tradição islâmica, imagens de Maomé são proibidas pois poderiam levar à idolatria.

Ontem, jornais de Suíça e Hungria republicaram as charges, repetindo o que já tinham feito diários de França, Espanha, Alemanha, Itália e Holanda. À noite, as TVs britânicas BBC e ITN puseram as imagens no ar.

Único jornal da França que publicara as charges originais até ontem ¿ o ¿Le Monde¿ fez uma charge própria ¿, o ¿France Soir¿ surpreendeu o país. O dono do jornal, o franco-egípcio Raymond Lakah, demitiu o diretor Jacques Lefranc. Os funcionários não gostaram da medida e o editor escolhido para substituir Lefranc, Eric Fauveau, recusou-se e pediu demissão.

Único jornal árabe a divulgar as charges, o jordaniano ¿al-Shihan¿ as publicou sob o título ¿muçulmanos, sejam razoáveis¿. ¿O que provoca mais preconceito contra o Islã? Caricaturas, imagens de um seqüestrador cortando a garganta de sua vítima, ou um homem-bomba num casamento em Amã?¿. Os donos do ¿al-Shihan¿ demitiram seu diretor, Yihad Momani.

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