Título: `Um verdadeiro abismo entre dois mundos¿
Autor: Graça Magalhães Ruether
Fonte: O Globo, 03/02/2006, O Mundo, p. 27

Chefe de redação de diário dinamarquês teme que projeto de integração de minorias muçulmanas seja inviável

As manifestações contrárias aos desenhos de Maomé levaram o chefe de redação do ¿Jyllands-Posten¿, Carsten Juste, a pedir desculpas por sua publicação no jornal, o maior da Dinamarca. Em entrevista ao GLOBO por telefone, ele considerou exagerada a reação dos muçulmanos e acrescentou que é mais uma demonstração de que há um verdadeiro abismo, intransponível, entre o mundo muçulmano e o ocidental.

Se soubesse que causaria tantas reações, o senhor teria renunciado à publicação das caricaturas de Maomé?

CARSTEN JUSTE: Se soubesse que haveria ameaças de bombas e que com isso colocaria em risco a vida de dinamarqueses que vivem em países muçulmanos talvez tivesse refletido mais antes de decidir publicar as charges. Mas um respeito absoluto aos símbolos religiosos seria o fim da liberdade de imprensa. Nós agimos de acordo com a nossa lei de liberdade de imprensa.

Muitos muçulmanos que vivem na Dinamarca e em outros países da Europa se disseram ofendidos com as charges. Como o senhor vê essa reação?

JUSTE: Se eu ofendi sentimentos religiosos, já pedi desculpas por isso. Mas o que será da liberdade de imprensa se só pudermos publicar o que for de agrado dos muçulmanos? A reação não deveria ter assumido a dimensão que assumiu se os imãs muçulmanos dinamarqueses não tivessem levado o assunto aos países árabes. Acho que essa reação está relacionada ao fato de haver na Dinamarca, um país pequeno, de apenas cinco milhões de habitantes, um debate polêmico sobre os muçulmanos que imigraram há algumas décadas.

Como surgiu a idéia de publicar as caricaturas de Maomé?

JUSTE: Um escritor dinamarquês escreveu um livro sobre Maomé e queria encomendar desenhos dele para ilustrar o trabalho. Mas ele não encontrou ninguém disposto a desenhar o profeta, com medo de reações do mundo muçulmano. Resolvemos abordar então o tema de forma jornalística e encomendamos a doze cartunistas charges de Maomé. Nós não queríamos provocar, mas apenas explorar o tema jornalisticamente: Por que ninguém tem coragem de desenhar Maomé na Dinamarca, um país de população cristã protestante?

A polêmica atual deverá atrapalhar a integração das minorias muçulmanas na Europa?

JUSTE: Eu receio que o projeto de integração das minorias muçulmanas seja inviável porque há um abismo entre o mundo muçulmano e o cristão ocidental. O ¿Jyllands-Posten¿ tem explorado bastante o tema integração e chegou a ganhar um prêmio da União Européia por reportagens que ajudam a integração de muçulmanos por um caderno especial que publicamos há seis meses. Tudo isso não é levado em consideração no momento atual.

É verdade que o senhor chegou a receber ameaças de morte?

JUSTE: Eu recebi ameaças de morte, houve ameaças de bomba contra a redação do ¿Jyllands-Posten¿. Nós precisamos pedir proteção policial, mas acho que devemos tentar voltar à normalidade. E não deixar o assunto aumentar.