Título: A poção da reeleição
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 04/02/2006, O GLOBO, p. 2

Já não há dúvida de que a sucessão presidencial deste ano será na base do vale-tudo. Valeu-se a oposição até aqui, para derrubar o favoritismo eleitoral de Lula, da demonização do caixa dois. Agora a praga se volta contra ela, apesar dos indícios de falsificação da lista de Furnas. Mas para os tucanos, a reeleição na forma aprovada para Fernando Henrique é que se constitui na prova mais forte do próprio veneno. Por isso, devem liderar o movimento para encerrar a experiência.

São óbvias as vantagens oferecidas a um presidente que pode disputar a reeleição no cargo, sem restrições expressas quanto às suas ações, antes ou depois do início da campanha eleitoral. Está a caminho mais uma pesquisa, a do Datafolha, que, segundo rumores de ontem, confirmaria a do Ibope, de janeiro, apontando a recuperação eleitoral do presidente. O que lhe permitiu sair das cordas para voltar ao ringue foi ¿ juntamente com o resgate da energia política para o combate (depois dos dias que passou quase trancado no palácio) ¿ a licenciosidade da emenda da reeleição. Por ela, os governantes que concorrerão a novo mandato terão que se registrar na mesma época dos outros, seis meses antes do pleito. Dispõem assim de largo tempo para atuar como candidatos sem assumir tal condição. É o que Lula está fazendo, com suas inaugurações e discursos, sem falar na exposição que o cargo lhe propicia. Poderia a emenda aprovada para FH ter exigido que os candidatos à reeleição assumissem tal condição com mais antecedência (talvez um ano antes do pleito), ficando a partir de então impedidos de cometer alguns atos e sujeitos a limitações no uso dos recursos do cargo. Mas naquele momento não se pensou na perenidade da regra, na importância de se mitigar a incomensurável vantagem de quem pode ser ao mesmo tempo governante e candidato. Lula está se valendo da imperfeita criação tucano-pefelista. E se as pesquisas estão certas, está convencendo parte dos eleitores de que seus feitos administrativos valem mais que os malfeitos delubianos.

Diz o ministro Luiz Dulci, em cuja Secretaria Geral se aloja hoje a antiga Secretaria de Comunicação, que a propaganda oficial fatiada, mostrando as ações federais em cada estado, ainda alcançará as 27 unidades da Federação. Por ora, foi dirigida apenas aos estados do Sul-Sudeste e ao Distrito Federal. Produzidas pelas agências que atendem à Secom, as peças agora seguem uma orientação política mais detalhada do governo e sobre seu conteúdo até o próprio presidente opina. Na produção das que foram ao ar, ele ajudou a selecionar os projetos que deveriam ser enfocados.

A partir de março, quando a plataforma P-50 entrar em atividade, a Petrobras vai festejar a conquista da auto-suficiência em petróleo. Ela já foi atingida em janeiro mas só com a nova plataforma a produção (1,85 milhões de barris/dia) garantirá o abastecimento mesmo com picos de consumo (hoje ele chega a 1,75 milhão de barris/dia). Serão 90 dias de propaganda maciça, destacando os êxitos da empresa no governo Lula. A produção era declinante quando houve a decisão política de fortalecer a empresa e alcançar a meta, diz seu presidente, Sérgio Gabrielli, destacando investimentos em plataformas inconclusas e em campos maduros. Em 2005, houve ainda recorde de refino doméstico da produção (80%). Grandes são os investimentos na renovação da frota petroleira, na modernização das refinarias (afora a construção da primeira depois de 1980, a de Pernambuco) e nas redes de distribuição de gás (o boliviano e o nacional). A presença internacional também cresceu, culminando com a compra de uma refinaria nos EUA. Em 2003, o valor de mercado da empresa era de US$15 bilhões, hoje é de US$ 90 bilhões. Se Lula já anda dizendo que ¿o biodiesel é nosso¿, imagine-se o bumbo que será tocado em torno da auto-suficiência.

A campanha deste ano tende a reforçar o movimento para acabar com a reeleição. E os tucanos, por ironia, devem liderá-la. Se tiverem perdido, porque terão provado do veneno. Se tiverem ganhado, por conta de acordo prévio para facilitar a assimilação do candidato escolhido pelos que estão na fila. Serra, a bem da verdade, nunca gostou da idéia. Alkcmin há dois meses achava cedo, agora já admite o encerramento da experiência.