Título: SALVAR O MERCOSUL
Autor:
Fonte: O Globo, 04/02/2006, Opinião, p. 6

É incontestável que ao aceitar as pressões argentinas para a criação de um sistema de barreiras protecionistas, batizado eufemisticamente de Mecanismo de Adaptação Competitiva, MAC, o Brasil deu forte contribuição para abalar o Mercosul. Ironicamente, um passo em sentido diametralmente oposto a todo o discurso integracionista do Itamaraty.

Pela gravidade do momento por que passa o projeto do mercado comum, é necessário agir com cautela. Pois deve-se admitir que, diante dos desníveis entre as economias argentina e brasileira em termos de capacidade de competição, não havia outra alternativa a não ser negociar com a Casa Rosada um sistema desse tipo o menos daninho possível.

Pelo menos, o MAC estabelece algum ritual para a criação de barreiras tarifárias ¿ mesmo que possa haver manipulação de dados por parte do empresariado argentino com o objetivo de conseguir uma proteção que na realidade não seria cabível.

A outra opção seria o empresariado brasileiro sujeitar-se a decisões unilaterais, como as que já foram tomadas pela Argentina contra alguns itens de importação de produtos nacionais, como eletrodomésticos e calçados.

Parece também inevitável o Brasil negociar com o Uruguai e o Paraguai mecanismos semelhantes. Sócios menores do Mercosul, esses dois países, com razão, mostram-se inclinados a atender a acenos americanos. O Uruguai, mesmo presidido por Tabaré Vazquez, político de esquerda e apoiado por Lula ainda na campanha eleitoral, tem alertado Brasília para a possibilidade de selar uma aliança comercial com os Estados Unidos. Isso significaria o Uruguai abandonar o Mercosul.

O quadro é bastante delicado e requer competente diplomacia de todos os lados ¿ embora este não seja o forte do presidente argentino Néstor Kirchner.

O projeto de integração é importante para o continente sul-americano. Permitir práticas protecionistas é mesmo grave retrocesso. Mas ainda será possível reconstituir os fundamentos do projeto, entre eles a liberdade aduaneira completa. Muito, no entanto, vai depender da capacidade de o governo argentino melhorar a competitividade de sua economia. O que parece pouco provável, infelizmente.