Título: O FUTURO EM JOGO
Autor:
Fonte: O Globo, 04/02/2006, Opinião, p. 6

Depois que o dióxido de carbono emitido por todo tipo de combustão vai se acumulando na atmosfera, ali permanece, refletindo o calor de volta para a Terra por um período estimado em um século. O que significa que a poluição que produzimos hoje, se é um problema para a geração atual, será um problema maior para as gerações futuras.

A gravidade da questão não pode ser minimizada. O que parecia ser alarmismo do guru dos ambientalistas, James Lovelock ¿ que considera o aquecimento do planeta irreversível e chega a duvidar da possibilidade de sobrevivência da civilização como a conhecemos ¿ ganhou agora confirmação num documento científico dos mais sérios, divulgado pelo governo inglês e prefaciado pelo próprio primeiro-ministro, Tony Blair. A temperatura está subindo ¿a uma taxa intolerável¿, diz o relatório, que, como Lovelock, centra a sua argumentação na palavra-chave ¿irreversibilidade¿.

Pode haver ainda a possibilidade de inversão de todo esse processo, mas para isso é preciso que cresça e produza resultados a pressão de Blair sobre o governo dos Estados Unidos, que continua rejeitando o Tratado de Kioto ¿ um tímido projeto de contenção da emissão de gases do efeito estufa, mas pelo menos um começo. Porque sem a participação dos EUA, país que é de longe o maior poluidor do mundo, nenhum projeto nesse sentido tem a mínima chance de sucesso.

No seu discurso sobre o Estado da União, o presidente George Bush disse que os americanos estão ¿viciados em petróleo¿ e defendeu a adoção de fontes alternativas de energia. A argumentação, no entanto, nada tem a ver com considerações ambientais, e sim com o propósito de reduzir a importação de óleo de países do Oriente Médio que são financiadores do terrorismo. Tanto que Bush considera razoável substituir petróleo por carvão ¿ outro combustível fóssil altamente poluente.

Se os americanos conseguirem abandonar o ¿vício do petróleo¿ será de qualquer forma um avanço. Um pequeno primeiro passo que poderá ser seguido por outros mais significativos, ainda que seja em governos futuros. Permitindo que persista a esperança de que o problema será enfrentado ainda a tempo com o vigor que exige.