Título: Hora da decisão
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 04/02/2006, Economia, p. 22

Numa luta acirrada pela reeleição, o presidente Lula resistirá à tentação de interferir no Banco Central e determinar corte maior na taxa de juros? Se quiser interferir, tem que ser agora; queda de juros demora um pouco a fazer efeito. No BC, a garantia dada por dois dirigentes é: a diretoria atual tomará as decisões que considerar tecnicamente corretas. Decisões políticas, só com outra diretoria.

A conta da escalada dos juros vai bater agora. Dentro de três semanas, sairá o número do PIB do ano passado. Será baixo. O Banco Central aposta em 2,6%, mas há muita gente que teme um número ainda mais baixo. Quando o dado sair, o BC ficará sob criticas novamente e vai reaparecer a dúvida sobre o futuro da política monetária. O país está numa situação complexa: a dúvida existe porque o Banco Central não é independente, mas a atuação do BC consolidou a convicção de quem é contra a independência.

Os dirigentes têm uma série de argumentos em defesa do atual nível de juros, que parece descabido para tanta gente.

Primeiro, dizem que não há a unanimidade que parece haver pelo noticiário. Acham que quem fala a favor não tem destaque na imprensa. Os diretores acham que há vários argumentos em defesa da tão criticada política de juros. Aqui vão alguns deles:

Os juros subiram 3,75 pontos, mas já caíram 2,50 pontos.

A inflação terminou 2004 em 7,6% e a meta era levá-la para 4,5% ao fim de 2005. A primeira providência foi diluir no tempo esse objetivo. A meta do ano passado foi elevada para 5,1% e a deste ano foi mantida em 4,5%. Assim, seguiram uma lição de política monetária que diz que a desinflação rápida demais pode custar muito caro em termos de produto, mas a lenta demais pode levar os agentes econômicos a não acreditar que o Banco Central esteja disposto a pagar o preço da queda da inflação. Acham que fizeram um bom trabalho na tarefa que receberam de convergir para uma inflação mais baixa, até porque, no começo do ano passado, a taxa anual havia subido para 8,5%.

Um olhar mais longo mostra que a atual gestão do Banco Central conseguiu reduzir a inflação de 17,2%, em maio de 2003, para 5,7% em dezembro de 2005. Uma queda de quase 12 pontos percentuais.

Estão convencidos de que a política monetária apertada permitiu o crescimento que ocorreu. Como os juros conseguiram reduzir a inflação, isso aumentou o valor real do salário, alimentando o consumo.

Uma crítica feita ao Banco Central, além dos juros altos, é que eles recompraram dívida barata e aumentaram a dívida cara; compraram um ativo que se desvalorizou (o dólar) e emitiram títulos corrigidos pela taxa de juros, que aumentou. Eles argumentam que o dólar caiu porque eles tomaram a decisão de reduzir a dívida cambial. Dizem que aproveitaram o bom momento da economia mundial para reduzir a vulnerabilidade externa, diminuindo a dívida cambial e aumentando as reservas. Compraram reservas quando o dólar estava caindo porque é nesses momentos que a oportunidade surge. Acham que o plano de reduzir a vulnerabilidade foi bem-sucedido e está permitindo a queda do risco-país ao mais baixo nível da história, mesmo num ano eleitoral.

Os dirigentes acham que enfrentam dois tipos de críticos. Um grupo usa argumentos políticos, acha que a inflação aumentará o crescimento e ainda não entendeu os avanços que o país conseguiu nos últimos 12 anos. Outro grupo faz críticas técnicas às decisões de administração da política monetária. Na opinião deles, a crítica técnica é usada pelo primeiro grupo para enfraquecer o Banco Central. Por outro lado, garantem que o que ouvem internamente no governo é muito menos intenso do que as declarações feitas pelos ministros na imprensa. O presidente Lula fala abertamente o que pensa, mas não usa seu poder para exigir que sua vontade seja feita. Admitem que o presidente está ansioso pela retomada do crescimento, o que acham natural, mas negam que sejam submetidos a pressões para definir essa ou aquela taxa de juros. Se neste ano eleitoral vierem a ser alvo de pressão, afirmam que não permanecerão nos postos que ocupam. Garantem que jamais aceitarão definir juros por conveniência político-eleitoral.

A visão de futuro que eles têm é mais otimista do que a do mercado. O Banco Central prevê crescimento de 4% para este ano; os grandes formadores de opinião no mercado estão falando, no máximo, em 3%. O mercado argumenta que 2006 começa sem qualquer carregamento estatístico e, por isso, o número final será baixo. O BC lembra que, no começo de 2004, eles fizeram uma previsão de 3,5%, maior do que a de todo mundo, e o mercado usou o mesmo argumento da falta de carregamento estatístico. O número final, como se viu, foi até acima do previsto pelo BC.

Os dirigentes do Banco Central têm vários argumentos, números, gráficos para sustentar que estão certos. Mas o fato é que eles parecem muito sozinhos. Aumentam as críticas à política acusada de ser a responsável por apequenar o crescimento do país e encarecer o endividamento. Lula terá que explicar em três semanas como prometeu o espetáculo de crescimento e entregou um número pífio. No calor do palanque, terá que explicar como levou a dívida ao emblemático número de R$1 trilhão.

Será um ano tenso, um dos pontos de tensão será a política monetária e as próximas semanas serão decisivas.