Título: Mudar e conservar
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 05/02/2006, O GLOBO, p. 3
Serve-nos sempre e freqüentemente o ensinamento do príncipe de Salinas em ¿Il Gattopardo¿, de Tomaso di Lampedusa: é preciso mudar para que tudo fique como está. Os deputados tentarão novamente aprovar esta semana o parecer de Moreira Franco ao projeto que altera as regras sobre gastos eleitorais. Não aceitam, porém, as duas que realmente podem mudar alguma coisa: a fixação de um teto para os gastos de cada candidato e a prestação de contas pela internet durante a campanha.
Remédio para o caixa dois não se descobriu ainda na farmacopéia nacional. E nem deve ser achado enquanto as campanhas para deputado forem individuais, por força do sistema eleitoral proporcional com listas abertas. Há quem acredite que com a lista fechada a campanha seria do partido por todos, solidária e mais barata. Mas como isso é assunto de reforma política, a que não sai, é preciso testar outras fórmulas. Uma delas é a fixação do teto para os gastos de cada tipo de campanha (presidente, governador, deputado, etc.). Muitos países o experimentam com algum sucesso. Não se espera que os candidatos declarem exatamente o que gastaram, mas a Justiça Eleitoral, os partidos concorrentes, a imprensa, o Ministério Público e outros olheiros do povo teriam como avaliar os sinais exteriores da riqueza das campanhas. Em Portugal é adotado com relativo sucesso e o órgão de controle dispõe hoje de um programa de computador, o Hyperion, que permite razoável aferição entre o declarado e o efetivamente gasto. Na última campanha, cada partido pôde gastar sete milhões de euros.
Aqui, na quarta-feira passada, quando se tentou votar o projeto de Moreira, substitutivo ao do senador Bornhausen, PFL e PSDB estrilaram, alegando que não pode o TSE, que desconhece a realidade das campanhas, fixar este teto. O PT, que com o fechamento do valerioduto se prepara para um tempo de vacas magras, foi a favor. Esta semana vai se tentar um acordo. Se quisessem, poderiam eles mesmos fixar um teto. Nada indica que querem. Um teto próximo ao que realmente gastam poderia confirmar duas leis de Roberto Jefferson. Primeira: todos fazem caixa dois; segunda: o dinheiro quase sempre passa por uma estatal, onde alguém o recolhe entre as empresas fornecedoras. É dando que se recebe.
A prestação de contas pela internet é a mais importante medida de transparência que se pode tomar. Quando era tesoureiro do PT, Delúbio Soares reagiu a uma proposta semelhante: ¿transparência demais é burrice¿. Mais tarde foi entendido. Agora são os partidões que resistem. Aceitam dizer pela internet quanto recolheram mas não o nome dos doadores. Isso ficaria para depois da eleição.
Tudo indica que só vai sobrar perfumaria do projeto. Como diz o deputado Chico Alencar, ele avança ao proibir showmícios mas esquece a contratação de milhares de cabos eleitorais. Proíbe brindes e camisetas, recursos dos candidatos pobres. Portar bandeira ou broche no dia da eleição pode dar cadeia e os artistas ficam proibidos de falar em candidatos em suas apresentações. As campanhas, receia Chico, deixarão de ser ruidosas e alegres sem com isso se tornarem mais baratas e transparentes.