Título: Imprevidência
Autor:
Fonte: O Globo, 05/02/2006, Opinião, p. 6

Mudar a legislação referente a partidos e eleições é tema constante na agenda do Congresso. Pelos interesses em jogo, as discussões costumam ser longas e as decisões lentas. Mas algumas alterações já foram feitas. E outras hão de ser.

Entre os aperfeiçoamentos bem-vindos está a cláusula de barreira: partido que não conseguir no mínimo 5% dos votos nacionais, sendo 2% em nove estados, perderá regalias. Ficará sem horário gratuito de propaganda, acesso ao fundo partidário e direito de ter liderança no Congresso. A medida, bastante bombardeada, é claro, ajudará a sanear o quadro partidário, muito pulverizado.

A eclosão da crise do mensalão e do valerioduto petista estimulou a imaginação criadora no Congresso ¿ onde já existia uma reforma política em trânsito ¿ e novas alterações foram propostas. Ainda bem que a lenta tramitação do novo pacote ultrapassou o prazo limite de um ano antes do pleito para alterações nas regras das próximas eleições. O Congresso ainda tenta votar esse pacote, mas caberá à Justiça, a eleitoral ou o Supremo, se for o caso, definir o que poderá vigorar em 2006.

Reproduz-se nesse conjunto de propostas uma distorção clássica do legislador brasileiro, o detalhismo. Se assim não fosse, não teríamos uma Constituição do tamanho de enciclopédias e dicionários completos.

Misturam-se boas idéias, como forçar a divulgação atualizada pela internet das finanças de campanha, com equívocos, como uma excessiva interferência na forma como o candidato produzirá seu programa eleitoral.

Essa discussão deveria ser travada em 2007, quando o cenário político estará desintoxicado do clima eleitoral. A cláusula de barreira e normas baixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral para aumentar o cerco ao caixa dois por ora são suficientes.

Além do mais, o Brasil precisa de uma legislação eleitoral ¿ como em outros campos também ¿ a mais estável possível. Alterá-la ao sabor da conjuntura política é uma imprevidência.