Título: DÍVIDA COM ANISTIADOS CAUSA ROMBO NO ORÇAMENTO
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 05/02/2006, O País, p. 15

Militantes políticos prejudicados pela ditadura já têm mais de R$2 bilhões a receber e valor ainda pode dobrar

BRASÍLIA. A dívida acumulada do governo com os anistiados políticos é bilionária. Levantamento da área econômica revela que o montante de indenizações a serem pagas ultrapassa os R$2 bilhões. O valor é tão alto que está provocando problemas no fechamento do Orçamento de 2006. Essa dívida refere-se apenas aos valores retroativos, ou seja, à soma de remuneração, benefício e promoção que os militantes de esquerda teriam direito de receber se não tivessem tido a carreira profissional comprometida pela atuação política na ditadura militar.

Os técnicos do governo estimam que essa conta pode mais que dobrar se forem aprovados os mais de 31 mil processos ainda pendentes de julgamento na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. O valor chegaria a R$4,5 bilhões, o que representa 53% do previsto para ser gasto este ano com o Bolsa Família, principal programa social do governo (R$8,5 bilhões).

Até agora, foram aprovados pela comissão apenas 6.685 processos de anistiados. Eles já recebem a prestação mensal, equivalente ao salário pago na função que exerciam durante o regime militar. O valor é atualizado. O chamado retroativo ainda não foi pago. Falta dinheiro.

Entre esses anistiados, 155 têm direito a retroativos que ultrapassam R$1 milhão cada. Eles já recebem altas prestações mensais, que variam de R$7 mil a R$19 mil. O maior passivo do governo é com um anistiado que tem direito a atrasados de R$3,4 milhões. Desde 2002, ele já recebe uma mensalidade de R$18.400. A conta desses 155 chega a R$234,7 milhões.

A grande maioria dos anistiados ¿ 4.236 (63%) ¿ tem direito de receber de R$100 mil a R$300 mil de atrasados. A dívida com eles soma R$920,7 milhões. As indenizações mais altas são pagas a ex-funcionários de empresas privadas e de estatais e autarquias, com processos nas 1ª e 2ª Câmaras da Comissão de Anistia. Na 3ª Câmara, que analisa pedidos de militares, valores da prestação e dos retroativos são mais baixos.

Anistiados já admitem renegociar a dívida

Para tentar saldar pelo menos parte da dívida, o governo está negociando com as entidades que representam os anistiados. Pela primeira vez, eles admitem rever valores e parcelar a dívida com o governo, mas não abrem mão das altas indenizações que a Lei da Anistia lhes garantiu.

O presidente da Associação de Defesa dos Direitos dos Atingidos por Atos Institucionais, José Wilson da Silva, afirma que se o governo tivesse pago os valores logo após a Constituição de 88, a dívida não seria tão alta:

¿ Não temos culpa de o governo ter nos punido por causa do golpe. Nós, militantes políticos, fomos colocados num gueto e agora somos mal vistos.

O dirigente disse que a categoria está disposta a negociar com o governo, mas não deixou de criticar o momento político:

¿ Sabemos que há altas indenizações, que os problemas do país são imensos, mas não falta dinheiro para os valeriodutos da vida. O governo tem que cumprir a lei. Ou, então, que feche o Congresso Nacional.

O vice-presidente da Associação dos Anistiados da Petrobras, Abelardo Santos, disse que os anistiados querem negociar com o governo, mas afirma que se houver intransigência eles vão recorrer à Justiça.

Entre os dez maiores valores devidos, duas indenizações ultrapassam os R$3 milhões e oito são superiores a R$2 milhões. Todas são reparações a ex-funcionários de empresas privadas. Filha de anistiado político, Rosa Cimiana dos Santos disse ter esperança de que o governo pague o retroativo a que tem direito. Seu pai foi um líder ferroviário perseguido por atuar contra a ditadura. Ela recebe uma prestação mensal, mas tem direito a atrasados que somam R$109 mil. Rosa, que atua numa comissão de representantes de entidades de anistiados, disse ter informações que o Ministério do Planejamento estuda reduzir as indenizações que passam de R$1 milhão:

¿ Espero que o Orçamento deste ano nos contemple. É a nossa esperança, já que há anos lutamos por nossos direitos.