Título: NO HAITI, VOTO MARCADO POR MEDO E INCERTEZA
Autor: Demétrio weber
Fonte: O Globo, 05/02/2006, O Mundo, p. 44

Sob ameaça da violência, país mais pobre das Américas elegerá presidente sem saber se resultado será respeitado

PORTO PRÍNCIPE. Sob o olhar atento do mundo, o país mais pobre das Américas vai às urnas terça-feira em busca de saída para uma crise que já dura dois anos, desde a queda do presidente Jean-Bertrand Aristide. Um forte esquema de segurança foi anunciado pela Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah), mas muitos eleitores ainda temem comparecer aos locais de votação. Marcadas para o ano passado, as eleições presidenciais foram adiadas quatro vezes por causa da instabilidade política.

Numa demonstração do clima de incerteza que cerca as eleições, a companhia de aviação American Airlines suspendeu seus vôos de amanhã e de terça-feira para o Haiti.

ONU adota esquema especial de segurança

O comandante militar da Minustah, o general brasileiro José Elito Carvalho de Siqueira, admite que poderá haver violência, mas nada que comprometa a votação. O plano de ação prevê que, em caso de emergência, tropas da ONU cheguem em até dez minutos a qualquer um dos 804 locais de votação. Para isso, usarão 11 helicópteros.

¿ Poderá haver fatos isolados. Mas as pessoas que quiserem poderão votar e voltar para casa ¿ disse o general Elito ao GLOBO.

Em Porto Príncipe, as forças de paz ainda não controlam a favela de Cité Soleil, próxima ao aeroporto internacional, principal reduto de gangues armadas e local usado como cativeiro nos seqüestros que tanto assustam estrangeiros e a elite haitiana. A falta de segurança levou o comitê responsável pela organização das eleições a não instalar postos de votação na área central da favela, onde vivem cerca de 200 mil pessoas. Assim os moradores terão de caminhar um ou dois quilômetros até os arredores do bairro.

O voto no Haiti é opcional. A recepcionista Patricia Elvé, de 26 anos, até tirou o título na campanha maciça de cadastramento estimulada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) nos últimos meses de 2005. Mas ela não decidiu se vai votar, pois teme ser vítima de violência no dia da eleição:

¿ Talvez eu nem saia de casa. Não temos garantia de segurança. A vida no Haiti é um horror.

Nos últimos dias, Porto Príncipe viu crescer a campanha eleitoral. Faixas com nomes de candidatos e palavras de ordem enchem as ruas por onde se espremem centenas de veículos no caótico trânsito da capital haitiana. Há cartazes e alguns outdoors. Carros de som são vistos esporadicamente. Os candidatos fazem propaganda no rádio e as eleições são o assunto principal nos telejornais do país.

Trinta e dois candidatos disputam a eleição, embora apenas três tenham chances reais de vencer. O ex-presidente René Preval lidera a última pesquisa Gallup com 37% das intenções de voto, seguido pelo empresário Charles Henri Baker, com 10%, e o também ex-presidente Leslie Manigat, com 8%.

Os haitianos vão eleger também 30 senadores e 99 deputados, o que permitirá reabrir o Congresso, que permanece fechado há cerca de dois anos, depois que as eleições de 2003 foram canceladas, em meio à crise que levou Aristide a deixar o país, em fevereiro de 2004. O governo transitório administra o país por meio de decretos.

Os resultados das eleições deverão ser conhecidos três dias após a votação, acreditam os organizadores. Se nenhum candidato a presidente receber a maioria dos votos, haverá segundo turno em março.

OEA tenta garantir que resultado seja respeitado

Preocupada com o risco de novos distúrbios após as eleições, caso os candidatos derrotados não aceitem os resultados e troquem o jogo político por ações violentas, a Organização dos Estados Americanos (OEA) reuniu todos os partidos e candidatos há duas semanas e reafirmou as regras do jogo. A idéia é garantir que o vencedor possa governar. Um grupo de 145 observadores internacionais vai acompanhar o pleito.

¿ O Haiti tem tradição de violência. O que a gente quer é reduzir essa prática ¿ diz o embaixador do Brasil no Haiti, Paulo Pinto.

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