Título: MR-8 negociou 6,5 milhões de barris de petróleo
Autor: José Castro , Chico Otavio e Toni Marques
Fonte: O Globo, 05/02/2006, O Mundo, p. 40

Investigações indicam que dirigente do movimento ligado ao PMDB paulista vendeu em proveito próprio 2 milhões de barris

O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) ¿ facção do PMDB de São Paulo ¿, ganhou de presente do regime de Saddam Hussein uma substancial partida de petróleo.

Os Estados Unidos preparavam a invasão do Iraque e ele decidira ampliar alianças: escolheu organizações políticas e líderes capazes de reproduzir sua defesa pelo mundo. Sedimentou essa relação com um sistema de doação de comissões sobre a venda de barris de petróleo retirados de forma ilegal do estoque da estatal Somo, equivalente iraquiana da Petrobras. Na época, a ONU só permitia a exportação de petróleo para financiar a compra de comida e medicamentos para uma população que entre 1995 e 2001 assistira à morte de 576 mil crianças por inanição, segundo os registros oficiais.

O MR-8 conseguiu receber e vender no mercado mundial de petróleo pelo menos 6,5 milhões de barris. Uma parte disso, correspondente a 4,5 milhões de barris, foi repassada a empresas privadas em sociedade com um de seus dirigentes, o empresário Nelson Chaves dos Santos.

Paulista de Araçatuba, Nelson Chaves, como é conhecido no PMDB, foi um dos primeiros presos políticos beneficiados pela lei de anistia, em 1979. Os investigadores da ONU o identificaram como ¿beneficiário não-contratual¿ na venda total de 6,5 milhões de barris, dos quais 2 milhões aparentemente em benefício próprio.

O empresário e dirigente do MR-8 vendeu ¿ sem participação do grupo ¿ a cota que ganhara de Saddam para a National Oil Well Maintenace Co., do Qatar (contrato M/10/89).

Em sociedade com a organização política repassou (contrato M/11/133) outros 1,5 milhão de barris à Oil & Gas Service Group Ltd., do Paquistão; mais 1,5 milhão (contrato M/12/71) à B. C. Invest, da Suíça; e ainda 1,5 milhão a uma companhia não identificada pela ONU, mas que a estatal iraquiana Somo registrou na contabilidade.

Nelson Chaves nega tudo, e argumenta:

¿ É preciso defender os interesses do Brasil. Nossas empresas de máquinas agrícolas lutam com dificuldade contra os americanos. O que sempre fizemos foi dar solidariedade. Demos a nossa ajuda para mostrar que eles (os americanos) eram safados. Nunca recebemos por isso.

Outros 2,047 milhões de barris o MR-8 comercializou em sociedade com um ex-embaixador do Iraque no Brasil, segundo a ONU. Jahad Karam chegou ao Brasil nos anos 1970, quando o comércio entre os dois países fluía no compasso dos negócios das fábricas de armas Engesa e Avibrás, e da empreiteira Mendes Júnior, cujo canteiro de obras em volta de Bagdá abrigava 15 mil brasileiros.

Karam intermediou o repasse da cota do MR-8 para a Primacosa Enterprises Ltd., do Chipre. Os registros sobre os contratos (M/10/88 e M/11/24) e os beneficiários, aos quais a ONU teve acesso, ficaram no arquivo da estatal Somo, apreendido depois da invasão.

A Primacosa é uma empresa ligada a Augusto Giangrandi, que tem dupla nacionalidade chilena e italiana. Giangrandi destacou-se no tráfico mundial de armas pelo desempenho em sociedade com outro chileno, Carlos Cardoen, como fornecedor das tropas de Saddam Hussein durante a guerra contra o Irã (1980-1988).

MR-8 negociou com traficante de armas

É possível que os dirigentes do MR-8 não soubessem quem era, mas é improvável que o embaixador Karam não conhecesse Giangrandi.

Ele era figura fácil nos salões do poder em Bagdá, conta um amigo de ambos, Fouad Sarhan, comerciante, antigo representante da Iraq Airwais no Brasil.

Sarhan, de 69 anos, é libanês de nascimento e naturalizado brasileiro. Foi outro dos beneficiários das cotas de petróleo distribuídas por Saddam. Em três contratos (M/08/107; M/09/110 e M/10/29), ele aparece como intermediário na venda 5,5 milhões de barris de petróleo do Iraque, para Besler Nakliat Petrol Urunleri Sanayi Ve Ticaret, da Turquia, e para a Hash Ro Shipping Oil S.R. L., da Romênia. Sarhan admite que vendeu muito mais: 8 a 9 milhões de barris, calcula.

¿ De petróleo só entendo o nome ¿ diz Sarhan. ¿ Perdi US$2 milhões nos negócios da Iraq Airways, só consegui recuperar US$150 mil com as cotas que recebi de Bagdá ¿ lamenta.