Título: Censura no Google vai muito além das palavras
Autor: Elis Monteiro e Gilberto Scofield
Fonte: O Globo, 06/02/2006, Informáticaetc, p. 3

No Google Images, pesquisa distorce fatos históricos; Microsoft e Yahoo! também são acusados de submissão

Adecisão do Google de se render à censura na China suscitou a ira de organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão como a Human Rights Watch, Repórteres sem Fronteira e Anistia Internacional, mas a empresa criada por Larry Page e Sergey Brin não está sozinha. Nas últimas semanas, as maiores empresas americanas da internet ¿ Microsoft, Google e Yahoo! ¿ foram acusadas de colaborarem com o governo de Pequim na tarefa de censurar a rede e ajudar a punir os internautas chineses que têm coragem de denunciar abusos ou injustiças. Outra gigante que garantiu seu nome na lista de inimigas da liberdade de expressão foi a Cisco, por fornecer infra-estrutura de hardware e software para o bloqueio do governo chinês.

Na Inglaterra, a BBC comparou as buscas feitas através do Google.com às da versão chinesa e comprovou que as restrições nas buscas no Google.cn vão além das divulgadas mil palavras que Pequim teria censurado. O próprio ao site da BBC foi cerceado na busca: na China, quem pesquisar por BBC vai ter como respostas apenas um site de ensino de idiomas.

A censura de Pequim também atingiu o Google Images, serviço de pesquisas por imagens. Digitando Tiananmen (Praça da Paz Celestial) no Google.cn, por exemplo, o internauta chinês terá como resposta inocentes fotos da praça e não, como acontece no Google.com, imagens do massacre histórico.

Repórteres sem Fronteira: Google é hipócrita

Outro serviço censurado é o Google News, que reúne notícias e artigos publicados em todo o mundo. Assim que foi constatada a censura, houve protestos da organização Repórteres sem Fronteiras, que no fim do ano passado divulgou nota lamentando a atitude do Yahoo!, que entregara ao governo chinês correspondências pessoais de um jornalista, que acabou condenado a dez anos de prisão. A nota da organização acusa a Google Inc. de hipocrisia e diz que ¿o lançamento do Google.cn é um dia `negro¿ para a liberdade de expressão na China.¿

Perguntado sobre o tema pela agência de notícias Reuters, o professor John Palfrey, da Escola de Direito de Harvard e autor de vários livros sobre censura à rede na China, afirmou que as empresas estão adotando uma estratégia pragmática:

¿ As empresas não fazem negócios com a China para trazer democracia, mas para fazer dinheiro ¿ disse ele.

Semana passada, ainda sob o impacto das acusações de gente de todo mundo, a Microsoft decidiu inovar mudando sua política para os blogs hospedados na MSN Spaces. Se for obrigada a fechar algum blog em determinado país, a empresa vai permitir que internautas de outros países tenham acesso a ele. E no espaço onde a empresa informa que o site não está mais disponível virá um aviso dizendo que o blog contraria as leis locais.

As boas intenções da MS não sensibilizaram o Congresso dos EUA, que pretende reconvidar as gigantes para outra rodada de conversas dia 15. Desta vez, no entanto, a convocação será obrigatória. O debate está apenas começando.

Em conversa com o editor sênior da revista de negócios americana ¿Fortune¿, David Kirkpatrick, o presidente do Google, Eric Schmidt perguntou: ¿O embargo à Cuba foi efetivo? Castro não está ainda no poder?¿. Schmidt argumenta que existem maneiras mais efetivas de brigar contra governos tirânicos. E de fato, os chineses se arriscam a usar recursos variados para tentar fugir do ¿Grande Irmão¿ em Pequim.

Mas não a ponto de ameaçar o sistema. A prática não é generalizada e é hoje restrita a dissidentes combativos por uma simples razão: se o usuário for pego usando uma solução para tentar driblar os censores, ele pode ser preso e condenado a anos de prisão sem direito a advogado.

Google x governo americano: hipocrisia?

As táticas mais comuns são usar servidores proxy cedidos por voluntários em outros países. Os endereços e senhas de acesso aos servidores são enviados de forma codificada e são hoje uma arma entre a dissidência chinesa. Para os que querem apenas surfar em sites pornográficos ¿ o que dá uma prisão menor ¿ basta um programa que altere o IP do micro.

A censura na China não é a única pedra no meio do caminho do Google. Uma corte judicial do Estado da Califórnia quer forçar a empresa a revelar os registros de buscas dos internautas. A motivação declarada do governo americano é investigar criminosos ligados a redes de pornografia. O Google se recusou a fornecer os registros afirmando estar defendendo o direito à privacidade de seus usuários.

Para os defensores da liberdade no ciberespaço, o altruísmo é forçado.

¿ O Google não está defendendo a liberdade, ele está é defendendo a lógica interna do sistema. Eles não querem entregar segredos comerciais ¿ diz Carlos Afonso, membro do Comitê Gestor da Internet Brasileira, representante do Brasil no Grupo de Trabalho sobre governança da internet da ONU.

A respeito da censura na China, Carlos Afonso lembra que o caso não é o único no âmbito da ONU.

¿ A China só tem gravidade quantitativa. Em países da África e do Oriente Médio a situação é muito pior ¿ diz.

Mesmo os EUA, que deram um puxão de orelhas no Google, no Y! e na Microsoft, não têm práticas tão honestas de defesa da liberdade no ciberespaço.

CHEIRO DE HIPOCRISIA NO AR, na página 17