Título: MESMO SEM PRIVATIZAR, GOVERNO QUER ATRAIR CAPITAL
Autor: Eliane Oliveira e Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 08/02/2006, Economia, p. 17

Aposta concentra-se nas PPPs, que não saíram do papel, na concessão de rodovias e em lei para saneamento

BRASÍLIA. Com um caixa de recursos limitados, sem empresas para privatizar e convicto de que não é mais possível uma nova onda de desestatização no país, o governo conta com a participação do capital privado para irrigar e melhorar os serviços públicos daqui para a frente. Com este objetivo, trabalha em três frentes: as Parcerias Público-Privadas (PPPs), a concessão de rodovias federais e a criação de uma lei nacional para o saneamento.

O marco regulatório para o setor de saneamento é a grande aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para este ano. O ministro das Cidades, Márcio Fortes de Almeida, conta que já existe um acordo entre o governo e o Congresso para que seja aprovado o projeto de lei do Executivo encaminhado há cerca de um ano. O ministro afirma que a Comissão Especial encarregada de apreciar a matéria no Legislativo deve votar o texto na semana que vem.

¿ Há alguns pontos em que não há entendimento que terão de ir para o pau na votação ¿ avalia o ministro.

Entre os pontos mais polêmicos estão as punições ao consumidor inadimplente -¿ se há corte de água ou redução da vazão quando a conta não é paga ¿ e a gestão do setor, se via conselhos ou agência reguladora, o que bate diretamente na composição das tarifas.

¿ O projeto do governo fala em redução da vazão, ou seja, manda-se menos água para a casa de quem está inadimplente, enquanto o relator (deputado Julio Lopes) prevê o corte puro e simples, como ocorre com a energia elétrica. Tudo isso é importante para a atração de investimentos. Dentro dessa questão está a formação das tarifas e a garantia do abastecimento ¿ complementa Almeida.

Outro ponto de divergência, só que nos estados e municípios, diz respeito à titularidade, ou seja, quem dá a concessão. Mas o relator do projeto diz que encontrou uma fórmula alternativa: os municípios que têm a integralidade do setor ¿ captação, tratamento e distribuição de água ¿ serão os titulares. Fora isso, haveria contratos com outros municípios para a prestação de serviços.

¿ O tema é complexo e vem sendo discutido há 20 anos no Legislativo. Para se ter uma idéia, somente este projeto do Executivo tem 95 artigos ¿ afirma o deputado Julio Lopes.

¿ Precisamos de um marco regulatório para atrair investimentos privados. Temos de saber, por exemplo, como ficarão os contratos em vigor que perderão a validade ¿ reforça o ministro das Cidades lembrando que, em ano eleitoral, a legislação prevê que as obras devem ser contratadas até, no máximo, 30 de junho.

As PPPs, aprovadas em fins de 2004 e consideradas um marco no investimento em infra-estrutura, entram neste último ano do mandato do presidente Lula como começaram: no papel. Os entraves jurídicos e burocráticos atrasaram o cronograma de assinatura de 23 obras listadas como prioritárias, reduzidas hoje a cinco empreendimentos. Segundo técnicos do Ministério do Planejamento, as PPPs só deverão deslanchar em abril deste ano.

¿ Desde a sanção da lei, em dezembro de 2004, a regulamentação e o desenvolvimento do modelo dos projetos caminham em ritmo adequado ao desafio colocado para as PPPs ¿ explica o chefe-adjunto da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento, Antonio Henrique Silveira.

Segundo ele, o edital para as obras da BR-116, nos 600 quilômetros entre Minas Gerais e Bahia, poderá sair em abril, inaugurando as PPPs. Trata-se do projeto com os estudos em fase mais adiantada entre os cinco escolhidos pelo governo. A lista inclui a Ferrovia Norte-Sul, o Arco Rodoviário do Rio, a Variante Ferroviária Garapuava-Ipiranga (Paraná) e o Ferroanel de São Paulo. Se confirmado este cronograma, o primeiro contrato poderia ser assinado ainda no governo Lula.

Nos bastidores do governo, a avaliação é que se criou uma expectativa pouco realista para a implementação das PPPs, gerando frustração com o cronograma real. O exemplo da Inglaterra ¿ que levou dois anos entre a aprovação da lei e a implementação dos primeiros projetos ¿ é usado com freqüência para explicar o ritmo de implantação no Brasil.

A segunda rodada de concessões das rodovias federais vai finalmente sair do papel, depois de um processo que se arrasta desde 1999. O governo anunciou na semana passada as regras da licitação e do leilão de sete lotes de rodovias, previsto para maio, se o cronograma da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) for mantido. O presidente Lula quer apressar essas obras e determinou que os estudos sejam concluídos rapidamente.

O governo teve que atender às exigências do Tribunal de Contas da União (TCU), mas espera lançar os editais de licitação no fim de março, depois de uma rodada de audiências públicas. A transferência de 2.600 quilômetros de rodovias para a iniciativa privada envolve investimentos de R$19,5 bilhões em 25 anos, que é o prazo dos contratos das concessões.

Uma câmara interministerial para centralizar a política de gestão das empresas federais também está nos planos do governo. O novo órgão, integrado por vários ministérios, será responsável pela elaboração de diretrizes e metas para as empresas públicas e pela implantação de um sistema de governança corporativa. A idéia é dar um choque de eficiência nas 137 estatais comandadas pela União.