Título: Onde está a reforma?
Autor: GUSTAVO PETTA
Fonte: O Globo, 07/02/2006, Opiniao, p. 7

O tema da reforma universitária não é exatamente uma novidade. Desde os anos sessenta que os setores progressistas da educação se mobilizam por transformações que adaptem nossas universidades à realidade brasileira, fazendo com que o ensino, a pesquisa e a extensão se somem aos esforços para impulsionar o desenvolvimento e a consolidação da soberania e da democracia em nosso país.

Realizar uma reforma sob esses moldes tornou-se ainda mais vital e urgente após o último decênio ¿ notadamente marcado pelas políticas neoliberais ¿ período no qual o Estado brasileiro sofreu um rigoroso processo de desmonte e a educação foi duramente fragilizada. As universidades públicas se viram diante de um duro esgotamento financeiro, enfrentando o fantasma da privatização branca. Já nas universidades privadas se deu uma completa desregulamentação, verdadeiro oba-oba que resultou num crescimento descontrolado que na maioria dos casos não foi acompanhado pela qualidade.

Atendendo à demanda por transformação nesta realidade, o Ministério da Educação apresentou um primeiro texto de lei de reforma universitária para o debate com a sociedade. A partir daí, entidades como Confederação Nacional da Indústria (CNI), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino (Andifes), UNE (União Nacional dos Estudantes), Movimento dos Sem Terra (MST), entre muitas outras, promoveram seus seminários e audiências para afinal proporem suas mudanças sobre o projeto inicial. Mesmo entidades beneficiárias do atual modelo, como a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup) e a Associação Brasileira das Mantenedoras das Instituições de Ensino (Abmes), participaram e deram as suas sugestões. No total foram 230 organizações envolvidas na discussão e que resultou em 121 emendas após a terceira e última versão do projeto.

O resultado desse processo foi um texto balanceado que tentou conciliar os diversos interesses envolvidos, mas que nem por isso deixa de ter direção. Várias demandas das universidades particulares foram atendidas, mesmo assim a UNE ressalta entre os avanços: 1) incorporação da assistência estudantil ao projeto; 2) regulamentação de prazo mínimo de 120 dias para a divulgação de reajustes nas mensalidades das universidades privadas; 3) limitação do investimento de capital estrangeiro nas universidades a no máximo 30%; 4) subvinculação de 75% do orçamento federal da educação para as universidades federais; 5) autonomia dessas instituições; 6) retirada dos gastos com inativos da folha de pagamento do MEC, ficando sob a responsabilidade do Ministério da Previdência.

Mas por conta do conservadorismo e dos limites estreitos da política macroeconômica, aquele que representaria um grande salto de qualidade da educação e, principalmente, uma tentativa concreta de enfrentar os problemas de financiamento da universidade pública, encontra restrições no Ministério da Fazenda e no Planejamento. Instalado o conflito dentro do governo, o compromisso de envio do texto ao Congresso ainda no ano passado foi descumprido e o projeto de reforma universitária se encontra engavetado na Casa Civil desde julho de 2005. Ao que nos parece, a educação não pode esperar mais a boa vontade do ministro da Fazenda e a urgência se explica, além dos fatos históricos já mencionados, por alguns acontecimentos recentes.

A recente compra de 51% das ações da Universidade Anhembi-Morumbi pelo grupo norte-americano Laurete pelo valor de US$69 milhões de dólares evidencia uma tendência que é preocupante para a educação nacional. Se a tendência se confirmar, poderemos ter a maioria das universidades particulares, suas características de ensino e o direcionamento da pesquisa sendo controlados por centros de decisões exógenos ao nosso país.

Nas universidades federais acabamos de ter mais uma greve, devido à falta de autonomia e aos parcos recursos. Os professores cruzaram os braços exigindo melhorias nas condições de trabalho, do plano de carreira e de salários, o que permite estrutura e profissionais qualificados para assim manter ou chegar ao nível de excelência desejado.

Qualquer país que almeje ser soberano e desenvolvido plenamente tem que investir de maneira mais séria em educação. O Brasil gasta apenas 4,2% de seu PIB em educação, taxa bem inferior à dos países em desenvolvimento ou mesmo em relação aos nossos vizinhos latino-americanos. Por isto, não nos contenta que seja feita uma minirreforma por meio de decretos e portarias, que mudaria apenas vírgulas da legislação atual.

É fato que há várias pressões das universidades particulares contra o atual projeto, mas o maior impedimento para o andamento do projeto está no interior do próprio governo. Portanto, cabe ao presidente Lula arbitrar a questão, sob pena de comprometer uma das principais bandeiras de sua gestão. Não nos furtaremos agora a lutar intransigentemente pelo envio do projeto da reforma universitária para o Congresso, onde disputaremos sua aprovação ao lado daqueles que acreditam no poder transformador da educação e na força da universidade pública, gratuita e de qualidade.

GUSTAVO PETTA é presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).