Título: BURACO NEGRO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 08/02/2006, O País, p. 4

Se depender do governador Geraldo Alckmin, não vai ser fácil escolher o candidato do PSDB que enfrentará Lula nas eleições deste ano. Ou melhor, pode ser até fácil demais, mas não por sua desistência, e sim da do prefeito José Serra. O governador paulista continua firme no propósito de ser candidato à Presidência, e só vê uma maneira de resolver o impasse, caso existam dois candidatos: realizar uma prévia no partido. Não que esteja se rebelando, ou que considere inapropriado o colégio eleitoral de caciques que, em princípio, escolherá o candidato, formado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pelo presidente do partido, senador Tasso Jereissati, e pelo governador de Minas Aécio Neves.

Mas, mineiramente ¿ sua família é de Minas, ele costuma ressaltar ultimamente ¿ diz que acredita que os três não irão querer assumir tamanha responsabilidade, se podem dividi-la com um colégio eleitoral maior. Alckmin está tão convencido de que ganha em qualquer instância partidária que não faz questão de definir o colégio eleitoral. Ele já foi escolhido como o preferido pelas bancadas da Câmara e do Senado, de acordo com pesquisas feitas por jornais, e está trabalhando as direções regionais do partido e os governadores.

Na verdade, a cúpula do partido gostaria que não fosse preciso chegar a essa confrontação para definir o candidato, e é quase certo que não haverá necessidade, pois é improvável que Serra aceite disputar uma prévia para sair candidato. Seu maior trunfo até o momento, o de melhor candidato tucano por ser o único que derrota Lula no segundo turno, está, no entanto, desaparecendo, à medida que a corrida sucessória avança.

Com a recuperação de Lula mostrada na última pesquisa Datafolha, Serra já aparece empatado tecnicamente com ele no primeiro turno, e teve sua vantagem reduzida no segundo turno para oito pontos percentuais. Mas continua sendo a melhor aposta tucana, pois Alckmin estancou nos 20% das preferências. Acontece que a direção do PSDB já tem pesquisas que mostram Lula novamente à frente de Serra nos dois turnos, o que aumenta o risco de deixar a Prefeitura de São Paulo para enfrentar o que o presidente Fernando Henrique chamou de ¿buraco negro¿.

Serra, que sempre jogou politicamente com o tempo, gostaria de levar a decisão até o prazo fatal, no final do mês de março, mas também está sendo pressionado para se definir oficialmente, pois o partido de maneira geral já está ansioso para colocar seu bloco na campanha eleitoral, para neutralizar a corrida solitária de Lula, um não-candidato mais candidato do mundo.

Quem trabalha pela antecipação da escolha, claro, é o próprio grupo de Alckmin, que não quer dar tempo para Serra se decidir com mais calma, coisa que até agora a cúpula partidária estava concedendo. Já existe, no entanto, a convicção de que não há razão para levar a decisão até o final de março, se é possível anunciá-la no início do mês.

Alckmin gosta de salientar que prévias dentro do partido não são instrumento de rebeldia, e cita o que ocorreu na disputa pelo governo paulista em 1994, quando ele era presidente regional do partido e o senador Mário Covas o candidato natural. O então deputado federal José Serra anunciou que também era candidato, e criou-se um impasse, resolvido da seguinte maneira: Alckmin marcou uma data para que as candidaturas fossem registradas no partido, e anunciou que uma prévia decidiria caso houvesse mais de um candidato. Apenas Covas registrou-se oficialmente, e o impasse foi resolvido.

Assim como desdenha a vantagem que seu concorrente Serra tem no momento nas pesquisas de opinião, Alckmin também não valoriza a queda. Só considera que Serra, para abandonar a Prefeitura de São Paulo, ¿a terceira cidade do mundo¿, precisaria ser ungido pelo partido. E ele não está disposto a deixar que isso aconteça, pois se considera um candidato mais natural do que Serra.

Diz que Serra, se sair da prefeitura, passará a campanha toda tendo que se explicar, e as suas promessas serão colocadas em dúvida pelo PT. Além do mais, a ex-prefeita Marta Suplicy, que passou a campanha do ano passado afirmando que Serra deixaria a prefeitura, ganharia uma força nova na disputa pelo governo do estado.

Alckmin acha que os índices de aprovação de Serra são seu teto, e que os 20% que apresenta no Datafolha são sua base para iniciar a campanha. O governador paulista está convencido de que a campanha presidencial só começa para valer em agosto, com propaganda de rádio e televisão, e não se importa com os números que Lula e Serra ostentam nesse momento.

Insiste no exemplo da campanha de 2002, quando em julho Maluf aparecia em pesquisas Datafolha como possível vencedor já no primeiro turno. No final, Maluf não chegou ao segundo turno, e Alckmin venceu José Genoino, apesar de toda a ¿onda vermelha¿ da eleição de Lula.

Um outro cálculo que está sendo feito pela cúpula tucana é a capacidade de votação dos candidatos nos dois principais colégios eleitorais do país, São Paulo e Minas Gerais. Tanto Serra quanto Alckmin vencem Lula com facilidade em São Paulo, de acordo com as pesquisas de opinião. Mas Alckmin demonstra maior capacidade de somar votos do que Serra: recebe 2,5 vezes mais votos que Lula, enquanto Serra recebe 1,9 vezes. A penetração de Alckmin em Minas também seria maior que a de Serra, além de contar com a simpatia do governador Aécio Neves.

A cúpula do partido acha, no entanto, que é difícil abrir mão de um candidato que se mostra competitivo para apoiar um outro que tem potencial de crescimento, mas no momento perde feio de Lula. No final das contas, a decisão será tomada mesmo pelos dois candidatos. O primeiro que piscar abrirá o caminho para o outro. Serra provavelmente não terá outra oportunidade tão boa para chegar à Presidência da República. Mas tem muito mais a perder do que Alckmin.